quinta-feira, 26 de maio de 2011

AMEIBRASIL

ESTUDO Nº 1.159, DE 2009
Referente à STC nº 2009-0---, do Senador
INÁCIO ARRUDA, que pede estudo sobre a
educação em tempo integral, compreendendo
jornada integral para os professores e estudantes,
e, para estes, introdução de atividades de esporte,
cultura e iniciação ao trabalho no currículo
escolar.
I- Introdução
O Senador INÁCIO ARRUDA solicita desta Consultoria
estudo sobre a educação em tempo integral como política de Estado na
oferta de educação escolar básica, compreendendo tanto a jornada integral
para os professores quanto para os estudantes, que passariam a ser
atendidos com atividades de esporte, de cultura e de iniciação ao trabalho,
quando couber.
Preliminarmente, é importante circunscrever o tema e dar
algumas informações básicas, como pré-condições de avanço no estudo.
O tema da jornada integral remete, em primeiro lugar, à
consideração das etapas e modalidades da educação básica. Segundo a
legislação atual, que tem como documento principal a Lei nº 9.394, de 20
de dezembro de 1996, que fixa as diretrizes e bases da educação nacional, a
educação básica se compõe de etapas e modalidades. A educação infantil,
oferecida em creches para crianças de até três anos de idade e em pré-
escolas para as que têm quatro e cinco anos, é a primeira de suas etapas. A
segunda etapa é a do ensino fundamental, com duração de nove anos, para jm2009-03365
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crianças e adolescentes de seis a catorze anos. Esta é a única etapa
constitucionalmente obrigatória. Os pais ou responsáveis são obrigados a
matricular os brasileiros nesta faixa etária e o Estado - por meio das
autoridades estaduais, municipais e do Distrito Federal - é obrigado a
oferecer vagas de ensino gratuito na escola mais próxima da residência do
educando. O ensino médio constitui-se na terceira etapa da educação
básica, tendo o Estado, constitucionalmente, o dever de sua progressiva
universalização, de forma gratuita, como encargo dos governos estaduais e
do Distrito Federal. A educação básica, além de ofertada em etapas
consecutivas correspondentes aos avanços do domínio do conhecimento,
também se compõe de estratégias organizativas e metodológicas
diferenciadas, adaptadas às demandas de cada clientela, denominadas
"modalidades". A "educação especial" se oferece aos portadores de
deficiências, nas três etapas; a "educação indígena", bilingue e
multicultural, é a modalidade a ser usada entre as comunidades nativas; a
"educação de jovens e adultos", com características próprias de quem já
ultrapassou a idade regular de escolarização, é a modalidade corrente, sob
forma de cursos e exames, na oferta de ensino fundamental e médio a essa
imensa parcela da população brasileira com a qual se tem uma reconhecida
dívida social; a "educação profissional" é a modalidade também aplicada
aos currículos do ensino fundamental e médio dos estudantes que se
propõem integrar ou articular seus estudos com a preparação para o mundo
do trabalho; e a "educação a distância" se constitui em modalidade também
destinada somente a estudantes do ensino fundamental e médio, com o uso
de tecnologias que apresentam alternativa de comunicação além da
enturmação presencial que caracterizou a escola, com exclusividade, até
recentemente. jm2009-03365
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A segunda informação que cumpre registrar nesta introdução é
que, ao contrário do que se pensa e do que se diz, a educação básica em
tempo integral nem é uma novidade, nem uma raridade.
Com efeito, até meados da década de 1920, todas as escolas
primárias e secundárias, com inevitáveis exceções, funcionavam com
jornada de tempo integral para seus alunos. Recorde-se que o primeiro
estabelecimento escolar do Brasil – o Colégio dos Meninos de Jesus, que os
jesuítas inauguraram em 1550 em Salvador – era um internato, onde os
estudantes, além da freqüência às aulas, faziam suas refeições, tinham seus
horários de estudo, de orações, de recreação e de sono, sob o olhar
constante dos educadores jesuítas. Esta foi a prática dos colégios e das
missões indígenas, durante mais de 250 anos. Em seguida à expulsão dos
jesuítas, perduraram educandários em regime de internato e semi-internato,
não somente de religiosos, como de religiosas de outras congregações e de
educadores protestantes. Nunca se extinguiu este regime nos seminários
católicos, esparramados em dezenas de dioceses em que é dividido o Brasil.
Com a proclamação da República, em 1889, multiplicaram-se
as escolas primárias e secundárias públicas, incluindo as escolas normais, e
os externatos passaram a ser a maioria. Entretanto, os estudantes tinham
como prática aulas de manhã e à tarde, ocupando uma sala e uma carteira
exclusiva. Na década de 1920, como registra Anísio Teixeira em seu livro
“Educação não é Privilégio”, as autoridades paulistas, preocupadas em
atender ao enorme número de crianças que batiam às portas de seus
“Grupos Escolares”, adotaram, como regime emergencial, os turnos
reduzidos, matutino e vespertino, duplicando a capacidade de matrícula no
mesmo espaço, com a promessa de construir centenas de prédios para
voltar à jornada integral. Entretanto, por razões que serão analisadas jm2009-03365
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adiante, a prática dos turnos reduzidos se disseminou não somente pelos
outros estados do Brasil, como em quase todos os países da América
Latina.
Mas, ainda hoje temos muitos exemplos, na educação básica,
de atendimento em jornada integral. O mais comum é o das creches, cujos
horários se balizam mais pelas necessidades de trabalho dos pais do que
pelo projeto pedagógico. Tanto que, por muitos anos, nem eram
consideradas, na maioria, como integrantes dos sistemas de ensino, mas das
políticas de assistência social. Em 2008, aproximava-se de um milhão o
número de crianças matriculadas em creches de tempo integral. Outro
exemplo é o dos cursos de ensino médio “integrados”, que somam ao
currículo comum os conteúdos e práticas das competências profissionais.
Muitos deles, como os da modalidade normal, têm prevista sua oferta em
tempo integral, em normas nacionais ou locais, de forma obrigatória ou
facultativa. Um curso em tempo integral ainda possível, mas que foi
desativado na maior parte dos casos, é o de aprendizagem profissional de
nível fundamental, para adolescentes com atraso de escolaridade: durante
décadas, o SENAI – Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial -
ofereceu, com duração de dois anos, cursos dessa natureza, que, num turno
trabalhava com as matérias de formação geral e, em outro, com atividades
em oficinas de iniciação ao trabalho, propiciando aos alunos, em dois anos,
aprendizado correspondente às séries finais do ensino fundamental e um
certificado, digamos, “pré-técnico”, com ocupação garantida no mercado
de trabalho.
Além disso, como será descrito com mais profundidade na
terceira parte deste estudo, em conseqüência das tentativas de resgate da
oferta de escolarização em jornada integral, funcionavam em 2007 no país jm2009-03365
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86.631 turmas de ensino fundamental e 49.917 turmas de ensino médio,
com, respectivamente, 2.537.500 e 1.246.166 estudantes, com mais de
cinco horas diárias nas escolas, a grande maioria na Região Sudeste. O fato
de elas significarem somente 7% do universo de matrículas, aliado ao
fracasso de propostas audaciosas neste sentido em nível federal, estadual e
municipal, permite que no imaginário dos educadores, dos gestores e
mesmo da população, a escola em tempo integral passe a ser um “ideal” a
ser atingido, uma “inovação” difícil de ser implantada, uma “missão quase
impossível”, pelos desafios de seus custos e das mudanças que operam no
cotidiano das famílias, em especial das crianças e adolescentes.
II – Conseqüências para a Desqualificação do Ensino e
para a Desvalorização dos Professores
Um ponto fundamental deste estudo diz respeito às mudanças
que ocorreram e se institucionalizaram com a introdução dos turnos
reduzidos para os alunos do ensino fundamental e médio na terceira década
do século XX e a conseqüente multiplicação dos turnos de trabalho dos
professores e professoras, que culminou com a permissão constitucional do
“acúmulo de cargos”, em 1934.
Infelizmente, não há análises específicas sobre as influências
destas mudanças sobre a qualidade do ensino e a valorização dos
professores, disponíveis nos trabalhos acadêmicos. O livro Trabalho
Docente e Profissionalismo, de Marisa Vorraber Costa, dá algumas pistas,
mas insuficientes para dimensionar a gravidade dessas duas mudanças. O
que vai ser dito a seguir é fruto de observações e reflexões pessoais deste
consultor, que já introduziu algumas conclusões em seus escritos,
principalmente em sua tese de doutorado, “Valorização Salarial do
Professor: o Piso Salarial Profissional Nacional como Instrumento dejm2009-03365
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Valorização dos Professores da Educação Básica Pública”, defendida na
Universidade Estadual de Campinas, em 2000.
A qualidade do ensino é avaliada pelo desempenho dos alunos
na aprendizagem, aferido por verificações e provas que cobrem os
conteúdos curriculares que correspondem a segmentos da cultura eleitos
pela sociedade e pelos especialistas a constituírem os “programas
escolares”. Tradicionalmente, na etapa do início da escolarização, ensina-se
a ler, escrever e contar, incluindo operações aritméticas mais simples. Mais
tarde, os conteúdos se dividem por “matérias”, denominadas “disciplinas”,
a que correspondem, em geral, “ciências” reconhecidas, que se adquirem
em cursos superiores. As chamadas “letras e artes” ganham, também,
estatuto científico, ao se constituírem em habilitações de graus superiores
concedidos por universidade ou outros institutos, em íntima articulação
com profissões liberais ou tecnológicas.
Ora, os conteúdos curriculares são, em tese, assimiláveis por
todas as crianças, adolescentes e jovens, proporcionalmente a seu
desenvolvimento mental e, principalmente, à habilidade de quem ensina -
ao preparo do professor, que deve dominar tanto os conteúdos como os
métodos. Entretanto, o sucesso no aprendizado de todos os estudantes não é
algo trivial. A maior ou menor intencionalidade dos governos, da escola,
dos professores; o grau de conhecimento e de vivência dos conteúdos
curriculares na rotina de socialização da família; a duração da jornada de
ensino e a intensidade do processo avaliativo na sala de aula; todas estas
“circunstâncias” são variáveis básicas para se construir uma aprendizagem
significativa, duradoura, responsável pelo desenvolvimento das
potencialidades, pela formação para a cidadania e pelo preparo para as
atividades produtivas. jm2009-03365
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Finalmente, há de se considerar a própria natureza do currículo
escolar brasileiro, nascido e desenvolvido como apêndice da cultura letrada
e científica européia, sedimentada nas classes dominantes da Colônia e do
Império, transferida e reproduzida para os estratos médios da República.
O fim da jornada escolar integral significou, tanto para os
estudantes de classes populares que já freqüentavam a escola primária na
década de 1920, quanto para os alunos e alunas pobres que foram chegando
massivamente ao ensino fundamental e médio nas décadas seguintes, uma
ruptura com o “aprendizado possível” da cultura letrada. Quatro ou três
horas diárias – que substituíram seis ou sete - passaram a ser um tempo
insuficiente para esse aprendizado, para a continuidade dos estudos em
nível médio e superior. Mais grave ainda: os estudantes de classes altas e
médias, que freqüentavam um turno de aulas em uma escola pública ou
privada, passaram a adicionar um currículo complementar ao do ensino
formal, por meio de atividades as mais variadas de reforço de estudo, de
práticas artísticas e desportivas, de aprendizagens alternativas. Esse plus os
separava cada vez mais da maioria dos estudantes pobres, conformados
com o que convencionou chamar de “currículo pobre para os pobres”. A
escola, que funcionou em muitos casos como corredor de ascensão social,
se moldou em reprodutora e legitimadora de desigualdades culturais e
sociais. Ao mesmo tempo em que a escola pública se universalizava, quer
pela mudança de domicílio da população rural para as cidades, quer pela
oferta de mais vagas nas redes públicas estaduais e municipais, ela foi
perdendo sua qualidade intrínseca de proporcionar uma aprendizagem
eficaz que garantisse a continuidade dos estudos em nível superior. Hoje , é
forçoso reconhecer, com as exceções de sempre, as escolas públicas são
espaços de socialização e de comunicação, mas não de construção do jm2009-03365
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conhecimento necessário ao domínio da cultura e da tecnologia moderna. E
a transformação de jornada em turnos tem tudo a ver com esta marcha a ré.
O processo de deterioração da qualidade da escola pública se
aprofundou com uma transformação radical da atitude e da prática dos
professores, que se acentuou no mesmo espaço de tempo, com maior ou
menor velocidade.
Até a década de 1920 – quando 95% dos alunos das redes
públicas eram matriculados em escolas primárias – o professor ou
professora tinha um só cargo, trabalhando na mesma escola e na mesma
turma. Essa condição lhe dava oportunidade de concentrar seus esforços de
ensino e tirar o maior proveito possível para a aprendizagem das crianças.
Era comum que diariamente a professora exigisse dos estudantes uma
produção de texto, escrito em classe ou em casa, ou a resolução de
problemas de matemática, aplicando de imediato as noções explicadas na
escola. Em outras palavras: os alunos eram avaliados diariamente, o que
permitia à professora preparar suas aulas de acordo com o ritmo de
aprendizado dos estudantes. Ou seja, ao professor cabia não somente
ensinar, como garantir a aprendizagem dos alunos, pelo acompanhamento e
diálogo com a construção do conhecimento das crianças. Assim, o
professor não era somente valorizado na comunidade, como se sentia
valorizado pelo resultado de seu trabalho, pela aprendizagem dos
estudantes. Ora, com a multiplicação de turnos, deu-se oportunidade aos
professores – cujo número crescia, a ponto de mudar seu perfil de oriundos
da classe média para provenientes das classes populares – de assumir dupla
ou até tripla “jornada”, inclusive com acúmulo de cargos públicos,
permitido a partir da Constituição de 1934. Com essa nova carga de
trabalho, os e as docentes foram mudando de papel: de garantidores da jm2009-03365
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aprendizagem passaram a “expositores de matérias”. Não exigiam mais dos
alunos, obrigatoriamente, o “dever de casa”, mesmo porque não dispunham
mais de tempo de corrigi-los. Não os faziam produzir textos, nem
avaliavam diariamente os conteúdos ensinados. Assim, os alunos, que
cada vez mais provinham de ambientes adversos à cultura dos currículos,
passaram a aprender cada vez menos, o que resultou no aumento do
fenômeno perverso da “reprovação”. A “repetência”, entendida como uma
marcha a ré na aquisição de conhecimentos, passou a ser considerada não
um absurdo pedagógico, mas uma “nova oportunidade de aprendizagem”, à
semelhança dos exames de “segunda época”, das “dependências” dos
estudantes secundários e dos “estudos de recuperação” que se receitam e se
praticam até hoje.
O pior é que os professores e professoras se acomodaram com
a sobrecarga de trabalho, em razão de que múltiplos empregos lhes rendiam
melhores salários do que a dedicação integral a uma determinada escola ou
rede. E, com a feminização do magistério, legitimou-se para todas o
abandono da correção diária dos exercícios dos alunos, com a desculpa,
justa até certo ponto, de que as mulheres não deveriam “levar trabalho da
escola para casa”. Dois fatos sedimentaram esta cultura da “nãoaprendizagem” e da “repetência consentida”: de um lado, os índices de
reprovação nas escolas privadas passou a ser muito menor do que os das
escolas públicas, como que naturalizando uma percepção de que os pobres
são menos capazes; de outro, o acesso aos níveis superiores (até 1971, com
os exames de admissão ao ginásio, e de lá para cá com os vestibulares e
“vestibulinhos” aos cursos superiores ou médios de excelência) passou a
ser visto como uma competição de esforços individuais para os pobres e
uma questão de pré-seleção dos mais afortunados em escolas privadas e em
cursinhos preparatórios, que lhes dão melhores condições de estudos. jm2009-03365
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O que realmente constrói o dualismo educacional entre as
classes populares e as classes médias e abastadas são variáveis ligadas ao
exame das seguintes questões: o que fazem as crianças e adolescentes nas
vinte horas em que não estão na escola ? Como se comportam os
professores diante das diferenças de “aprendibilidade” de seus alunos ?
A resposta à primeira pergunta não é difícil. Basta um
exercício de observação. As crianças das classes privilegiadas, além das
oito horas de sono confortável e dos horários de fartas refeições (o que não
significa dizer alimentação saudável), dispõem de aulas de música, de
informática, de esportes, de línguas estrangeiras e, principalmente, de um
reforço de estudo e orientação de aprendizagem, pois os pais têm
escolaridade superior à de seus filhos; já as crianças de classes populares
não têm em suas casas ou barracos essas atividades externas ou internas,
limitando-se a ver televisão, a brincar nas ruas ou a ajudar em trabalhos
domésticos ou de reforço da renda familiar. Atividades que não estendem,
nem aprofundam os estudos escolares. Atividades que não se articulam
com o projeto pedagógico das escolas. Daqui podemos inferir, entre outras
mudanças, a necessidade urgente do resgate da jornada integral para todos
os estudantes.
A resposta à segunda pergunta não é tão fácil. A primeira
conseqüência da mudança do regime de estudos dos estudantes foi a
desvalorização salarial, profissional e social dos professores. De profissão
disputada, passou a ocupação tolerada, para garantir a empregabilidade e
sobrevivência de homens e mulheres pobres. O ideal dos professores de
hoje não é mais ascender na carreira em que se concursou, mas progredir
para o trabalho no ensino superior, ser aprovado para outro emprego, ou,
pelo menos, se refugiar em funções de direção, coordenação e outras que jm2009-03365
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evitem o confronto direto com as crianças “mal educadas” e os
adolescentes violentos. Aprofundemos a resposta, formulando a pergunta
em outros termos: “a implantação da escola de ensino fundamental em
tempo integral possibilitaria imediata e automaticamente a melhoria da
aprendizagem dos alunos ?”
Provavelmente, não. Embora seja um passo importante, por
dar oportunidade de um maior tempo de ensino-aprendizagem na escola,
incluindo um enriquecimento curricular, temos que entender mais a
natureza do ato docente na sociedade de classes do Brasil atual. Para isso, é
imprescindível ler Paulo Freire, em especial a Pedagogia do Oprimido e a
Pedagogia da Autonomia. E dialogar profundamente com as famílias dos
alunos. Entramos aqui na questão mais espinhosa: como fazer isso se o
professor e a professora se transformaram em máquinas de ensinar,
balizadas por livros didáticos e pelo aperto de seu tempo dividido entre
vários empregos e os deveres domésticos ? É muito difícil conciliar a
jornada dos estudantes de tempo integral em uma escola, com a vida
fragmentada dos professores, muitas vezes acuados por baixos salários que
os empurram para dois ou três turnos de trabalho. Mesmo os que têm
dedicação a uma só escola, como acontece no Distrito Federal e como
tende a ocorrer nos Estados e Municípios, quando lecionam nos anos finais
do ensino fundamental ou no ensino médio, são submetidos a uma
organização curricular que os obriga a assumir duas ou uma só aula
semanal em cada classe - o que redunda em situações de darem aula para
quinhentos, setecentos e até mil alunos ao mesmo tempo. Nessas
circunstâncias, não se consegue resgatar a boa prática de se promover a
avaliação constante dos estudantes. Não é mera coincidência a proliferação
de provas mensais, bimestrais, anuais ou estandarizadas, que podem até
servir para diagnóstico da escola mas não concorrem para a aprendizagem jm2009-03365
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dos alunos. E, quando as professoras são regentes de uma turma de pré-
escola ou de anos iniciais, não dispõem de tempo ou disposição psicológica
para dialogar com os pais e mães de seus alunos, sem o que, fatalmente,
estarão comprometendo seu desempenho escolar. Assim, é importante
ressaltar que a introdução da jornada em tempo integral, seja para os
estudantes, seja para os professores, ou até mesmo para ambos, não tem o
condão de, automaticamente, garantir a educação de qualidade para todos.
É necessário um esforço de gestão pedagógica concomitante, do sistema,
da rede e da escola. E isso supõe um mínimo de tempo, suficiente para
mudar a cultura de uma geração.
III – Tentativas de Resgate da Educação em Tempo
Integral
Como foi dito na introdução, as escolas de tempo integral
nunca deixaram de existir no Brasil. Mas, foram-se tornando exceções, a
maioria de iniciativa privada. À massa de filhos e filhas de trabalhadores
rurais e urbanos, os Estados e Municípios ofereceram escolas em turnos
reduzidos, em geral matutinos e vespertinos. Não poucas vezes, porém,
funcionaram escolas públicas em três, quatro e até cinco turnos, cada um
com o máximo de três horas de aulas. Ao horário comprimido entre 10 e 14
horas se convencionou até chamar de “turno da fome”, que foi objeto não
somente de denúncias como de supressão, quase sempre por meio da
multiplicação de construção de escolas de baixíssima qualidade – um
simples agregado de salas de aula. De depósitos de estudantes.
Contra esta situação reagiram grandes educadores brasileiros:
os dois mais notáveis foram Anísio Teixeira e Darcy Ribeiro. jm2009-03365
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Anísio Teixeira, além de denunciar a mudança da jornada
integral para turnos reduzidos, tentou, quando teve oportunidade de
gerenciar redes de ensino, reintroduzir a prática da educação integral.
Tendo visitado as escolas européias e americanas na década de 1920,
percebeu a importância de reverter o estrago que se tinha feito no Brasil,
em nome da “democratização de oportunidades de escolarização”.
Primeiro, como secretário de educação do Distrito Federal na
gestão Pedro Ernesto (1932-1936), ao tempo que ajudou a teorizar uma
proposta de educação democrática no “Manifesto dos Pioneiros da
Educação Nova”, tentou introduzir novamente nas escolas cariocas o
horário integral, construindo, inclusive, espaços educativos adequados.
Destituído violentamente do cargo pela Ditadura, a experiência não se
consolidou. Depois de dez anos cuidando da família e de negócios em
Caitité, BA, sua terra natal, foi convidado a assumir a secretaria de
educação da Bahia. Foi então que, mesmo com limitações orçamentárias,
idealizou e fez construir no bairro proletário da Liberdade, na capital
baiana, seu modelo de escola em tempo integral: o Centro Educacional
Carneiro Ribeiro, onde os alunos passavam todo o dia, alternando aulas do
currículo tradicional com atividades artísticas, esportivas e de trabalho em
amplas oficinas. Finalmente, sendo encarregado de planejar a educação da
nova capital do País, idealizou o binômio espacial “escola-classe e escola
parque”, com a mesma finalidade de integrar o ensino das matérias
tradicionais com a fruição das atividades artísticas, desportivas e de
iniciação ao trabalho. Até hoje, como testemunho deste projeto inacabado,
funcionam a Escola Classe e a Escola Parque na Superquadra Sul 308, no
Plano Piloto de Brasília. Piscina, quadra de esporte, teatro, oficinas de arte
e de trabalho convivem com as salas de aula e demais dependências para o
desenvolvimento integral do currículo.jm2009-03365
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Coube, entretanto, a Darcy Ribeiro, que tinha sido parceiro de
Anísio nos projetos de Brasília em 1959-63, a façanha de oferecer ao Brasil
não somente uma “experiência”, mas um programa de educação em tempo
integral, de 1982 em diante, em dois mandatos de Leonel Brizola como
governador do Rio de Janeiro. O “Livro dos CIEPS” expõe seu projeto de
construção e funcionamento de 500 Centros Integrados de Educação
Pública, destinados à oferta do ensino fundamental em todos os Municípios
do Estado do Rio de Janeiro. A concepção arquitetônica revelava as peças
de seu projeto pedagógico: um bloco de muitas salas de aula, um ginásio de
esportes coberto, uma rica biblioteca e um pavilhão administrativo. Não
havia mais a preocupação de oferecer oficinas de iniciação ao trabalho,
sobre o que vamos refletir no próximo capítulo. Subsistia somente um
espaço para o cultivo de uma horta, para reforçar a alimentação escolar,
que funcionava em cozinha industrial e em refeitório comum para
estudantes, professores e funcionários. Havia também, em segundo piso da
biblioteca, um espaço para moradia de adolescentes e jovens em situação
de risco, acompanhados pela presença de uma “família educadora”,
contratada pelo Estado ou Município para esta missão, diante da situação
de degradação social de muitos bairros e cidades do Rio de Janeiro.
Em que pese os investimentos maciços nesta nova proposta de
educação fundamental (àquele tempo denominada de “primeiro grau”), o
programa de Leonel Brizola e Darcy Ribeiro foi duas vezes torpedeado:
entre 1987 e 1990, pelo novo governador, do PMDB; e, depois do segundo
mandato de Brizola (1991-94), concluídos os 500 CIEPs, pelo governador
do PSDB que o sucedeu. A resistência dos professores e a pressão por mais
vagas nos prédios escolares, além de outras forças, inclusive da academia,
venceram a guerra contra o ideal da implantação “a fórceps” de Darcy
Ribeiro. Ressalte-se que, a esta altura, Anísio Teixeira já havia falecido jm2009-03365
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(1971) e uma experiência do governo federal no mesmo sentido não
ganhava consistência, principalmente por não equacionar o desafio do seu
financiamento.
Qual era esta experiência ?
Trata-se dos Centros Integrados de Atendimento às Crianças
(CIAC) do Presidente Fernando Collor (1990-92), rebatizados por Itamar
Franco e seu Ministro da Educação Murílio Hingel como Centros de
Atenção Integral às Crianças (CAIC). Foram construídos, como os CIEPs,
seguindo plantas padronizadas e com material pré-fabricado, o que
economizava tempo e dinheiro para sua inauguração. A grande diferença
era que o financiamento da construção e equipamento era da União, mas os
gastos de manutenção passavam para o Estado ou Município a que era
entregue a escola. O primeiro CIAC foi inaugurado no Distrito Federal, na
cidade satélite do Paranoá. Mesmo contando com recursos financeiros
excepcionais, o governo local descaracterizou o projeto e admitiu o
funcionamento de turnos, em vista da pressão da demanda por matrículas.
Quase mil CAICS se concluíram no governo Itamar e pouquíssimos deles
operaram no sistema de jornada integral. Outro desvirtuamento do projeto
foi o abandono da oferta de vagas em creche, não obstante caríssimos
equipamentos de que foram dotadas as escolas. O argumento era que sua
pouca capacidade de absorção mais criava do que resolvia os problemas de
atendimento à demanda represada de bebês e crianças até três anos de
idade. Se visitarmos os CAIC em funcionamento, além da decadência das
instalações físicas que ocorreram em muitos deles, vamos verificar que se
transformaram em escolas de turnos reduzidos para crianças e adolescentes
de quatro a dezesseis anos. Essas tentativas imprudentes e fracassadas, que
denunciam também a inexistência de um verdadeiro regime de colaboração jm2009-03365
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entre União, Estados e Municípios, contribuíram para tornar cada vez mais
longínqua a perspectiva de implantação de escolas de jornada integral.
IV – A Questão do Trabalho no Currículo Escolar
Antes de entrarmos no exame das atuais políticas de
implantação da educação integral e das escolas de jornada integral, é
importante focalizar a evolução histórica de concepções e práticas
curriculares subjacentes, principalmente a questão do trabalho - manual ou
mecânico - no currículo escolar.
Como se viu nos apontamentos históricos anteriores, as
atividades de trabalho entravam no currículo integral de Anísio Teixeira e
desapareceram nos projetos de CIEP e CAIC.
Educação, no sentido mais amplo, é transmissão e criação de
cultura. Ora, o trabalho é parte integrante da cultura de qualquer povo.
Logo, sempre existe uma educação para o trabalho. Já a educação escolar,
que nasce na Mesopotâmia em torno da biblioteca de Hamurabi e na Grécia
como a “escolé” - atividades ociosas dos adolescentes não destinados ao
trabalho manual (coisa dos escravos) – se caracteriza acima de tudo como
ensino da leitura, da escrita, da aritmética, das ciências e das artes que são
consideradas coisas da mente, do espírito.
No Brasil, os primeiros colégios jesuíticos, destinados aos
“meninos de Jesus”, brancos, mamelucos e índios batizados, se
encarregavam da educação mental, embora não descurassem do
desenvolvimento corporal dos estudantes. Mas, educação para o trabalho
manual, mecânico, suado, se dava nas derrubadas da mata, nos canaviais e
engenhos, nos currais e invernadas, nos garimpos, nas oficinas dos jm2009-03365
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artesãos, nas casas de comércio e de administração pública. As “profissões
liberais” – medicina, direito e engenharias – eram oferecidas na
Universidade de Coimbra. Os colégios jesuíticos, quanto à educação
superior, somente se dedicavam à filosofia, à teologia e à arte do
magistério, considerado mais missão do que trabalho.
Com a expulsão dos jesuítas em 1759, houve mudanças de
gestão escolar, mas não de currículo. Primeiro, as Aulas Régias, classes
isoladas de primeiras letras ou de disciplinas esparsas. Depois as escolas
primárias e os liceus do Império. O trabalho continuava sendo função dos
escravos, e eles eram privados de qualquer escolarização. Aprendiam a
fazer fazendo: imitando, participando, errando, apanhando e acertando. Na
segunda metade do século XIX, com o crescimento das capitais e das
cidades portuárias e com a chegada dos imigrantes, ao lado do crescimento
da oferta de escolas primárias, que alfabetizavam e davam alguma condição
de fruição da cidadania, apareceram as “escolas de artífices” e as “aulas de
comércio”, destinadas a desenvolver os meninos e jovens em algumas
habilidades imprescindíveis ao progresso do Império. Aí se “formavam”
não somente os “guarda-livros”, marceneiros, ferreiros, tipógrafos, como se
reproduzia a mão-de-obra mais especializada das fábricas têxteis, das
ferrovias e dos estaleiros. Mas, registre-se, eram escolas de que se
desviavam os filhos e filhas de famílias mais “bem de vida”, para quem se
fundavam liceus públicos e muitos colégios secundários, leigos e
religiosos.
Já é clássica a afirmação do “dualismo educacional” que
pautou o desenvolvimento das redes de ensino da República: depois do
ensino elementar, escola secundária e normal para as famílias ricas e
escolas profissionais para os pobres. Em 1909, essa fórmula ganhou status jm2009-03365
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de política educacional da União, com a fundação, em todas as capitais, das
Escolas de Artífices, que bem mais tarde se transformaram nas excelentes
escolas técnicas federais. Desta forma, o trabalho manual, mecânico e
técnico só tinha lugar no currículo de escolas profissionalizantes. Registrese que somente muitos anos depois se declarou a “equivalência de estudos
secundários”, conferindo-se aos diplomas dos ginásios profissionais e
escolas técnicas a qualidade de passaporte para os níveis subseqüentes,
inclusive o dos cursos superiores. Nas escolas primárias e secundárias só se
fazia trabalho mental ou, quando muito, exercícios ginásticos e desportivos.
Nos Estados Unidos e na Europa, em virtude de outra evolução
histórica, o trabalho sempre constou do currículo das escolas comuns.
Quando Anísio Teixeira fez seu curso de pós-graduação na Columbia
University, tendo como um dos professores o filósofo e pedagogo John
Dewey, convenceu-se que qualquer reforma educativa no Brasil precisaria
quebrar este dualismo. Todos deviam estudar e todos deveriam se preparar
para o trabalho. Tal era a proposta das “vocational schools”, que ele tentou
implantar, com muita prudência e paciência, no Rio de Janeiro e em
Salvador. Tal era o projeto das “escolas-parque” dentro das “escolasclasse”, no nível primário, e dos “centros-educacionais”, no nível
secundário.
Não esqueçamos a progressão da cronologia: 1935, Rio de
Janeiro; 1950, Salvador; 1960, Brasília. Dentro dessa faixa de tempo entra
um novo e importante ator na educação brasileira: os serviços de
aprendizagem industrial (SENAI) e de aprendizagem comercial (SENAC).
O patronato, premido pela absoluta falta de mão de obra especializada nas
novas tecnologias da indústria e dos serviços, com o beneplácito do
Presidente Getúlio Vargas, instituiu uma forte rede de escolas profissionais, jm2009-03365
19
financiadas por tributo compulsório, cobrado das empresas desses dois
grandes setores que comandavam o crescimento do capitalismo no Brasil. E
o seu curso padrão era exatamente o que faltava: um “ginásio acelerado”,
que ensinava em dois anos o essencial dos conteúdos das quatro séries
tradicionais, adicionando o aprendizado de uma profissão ao longo dos
mesmos dois anos. Como ? Simples: a escola funcionava em tempo
integral, um turno para o currículo comum e outro turno para o aprendizado
do trabalho, na célebre proposta didática das “séries metódicas”, que foi
exportada como produto pedagógico brasileiro para muitos países do
Terceiro Mundo.
Estamos na década de 1960. Explica-se como Anísio tentou
em Salvador e em Brasília superar o “dualismo” com a oferta para todos
dos dois blocos de componentes curriculares: o mental e o manual. Mais
ainda: como membro do Conselho Federal de Educação, escritor e
conferencista onipresente nos congressos e outros eventos de educadores,
ele batalhou pelo currículo integrado, já que não tinha força para repor em
prática as escolas de jornada integral. De 1946 em diante, os ginásios
passaram a ter no currículo as “práticas educativas”, entre as quais o
“trabalho manual e economia doméstica”. Foi o tempo em que as
faculdades ofereceram licenciaturas para formar professores e professoras
destas práticas, que se destinavam a refazer na juventude o gosto pelo
trabalho. Dada a natureza da divisão do trabalho social, as aulas destas
práticas eram dadas para grupos de meninos e meninas, em espaços e com
conteúdos diferenciados.
De 1965 em diante, já na esteira das concepções de Anísio,
mas sem sua colaboração, em virtude da perseguição que lhe fez a Ditadura
Militar, Gildásio Amado comanda no MEC o programa dos Ginásios jm2009-03365
20
Orientados para o Trabalho (GOT), a que se contrapuseram educadores
paulistas envolvidos em experiência semelhante: os colégios
pluricurriculares. Em 1969, por meio de uma grande ação do MEC – o
Programa de Expansão e Melhoria do Ensino, PREMEN, encampa-se a
idéia e constroem-se centenas de Ginásios Polivalentes, com quatro
oficinas básicas: Técnicas Agrícolas, Técnicas Industriais, Técnicas
Comerciais e Educação para o Lar. Todos os Estados foram contemplados
com escolas modelares, incluindo a capacitação dos professores e gestores
em nível superior, sendo que em Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Espírito
Santo e Pernambuco o Premen financiou centenas de estabelecimentos.
Com a Reforma de Ensino da Lei nº 5.692, de 11 de agosto de
1971, consagrou-se e radicalizou-se a proposta de derrubar o “dualismo” :
no 1º Grau de oito anos, o currículo seria composto de disciplinas de
Educação Geral e práticas de Formação Especial, como sondagem de
aptidões na quinta e sexta série e como iniciação ao trabalho na sétima e
oitava. E o 2º Grau, que até então se dividira claramente entre preparatório
(clássico e científico) e profissional (agrícola, industrial, comercial e
normal) seria todo ele profissionalizante, com disciplinas de Educação
Geral e um conjunto de disciplinas de Formação Especial (nunca inferior a
50% da carga curricular), que resultaria numa habilitação técnica de nível
médio. Todos os brasileiros, independentemente de sua condição social,
sexo e idade, seriam profissionalizados em nível de 2º Grau, se encaixando
no grande esforço de progresso do País: desenvolvimento econômico e
segurança nacional. A proposta se complementava com um dispositivo que
nunca foi sancionado: a passagem do ensino de 2º Grau para as
universidades públicas não se daria mais por vestibulares universais, mas
por carreiras profissionais seqüenciais. Assim, quem quisesse entrar na
Medicina, teria que cursar, no 2º Grau, enfermagem ou outra habilitação na jm2009-03365
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área da saúde; quem quisesse ser professor e cursar Pedagogia ou
Licenciatura, precisaria ter o diploma do Magistério de 2º Grau.
As classes médias se insurgiram ante esta “camisa de força” da
profissionalização compulsória defendida pelo Ministro Jarbas Passarinho.
E toda sorte de maquiagens se inventaram para driblar as habilitações
técnicas e inibir o acesso articulado seqüencial às universidades públicas.
Entrementes, o número de matrículas no 1º e 2º Graus
explodiu, em virtude não somente da transumância para os centros urbanos
como também da efetiva oferta de milhares de novas salas de aula,
propiciadas pelas verbas federais do Salário-Educação e pelas receitas
estaduais e municipais dos impostos vinculados à manutenção e
desenvolvimento do ensino, restauradas pela Emenda Constitucional João
Calmon, de 1983).
Criou-se então um novo dualismo: o da separação de percursos
educativos, não mais pela ausência ou presença do trabalho no currículo,
mas pela opção das classes médias pelas escolas privadas e pela
“condenação” das classes populares às escolas públicas na educação básica.
Com isso, os filhos de ricos conseguiam entrar nos cursos mais concorridos
das universidades públicas, preparando-se para os melhores empregos, e os
filhos de pobres, confinados no ensino fundamental e médio público
desqualificado, tinham que se contentar, no final da linha, com os piores
empregos, para os quais se preparavam ou em cursos menos concorridos de
universidades públicas (como as licenciaturas de formação de professores –
perceba-se a desvalorização do magistério por outro ângulo) ou em cursos
de faculdades privadas, que reproduziam seu capital às custas do salário
dos alunos-trabalhadores. jm2009-03365
22
E aí, como ficou o currículo ?
Estávamos nos fins da década de 1980. A Lei nº 5.692, de
1971, estava desgastada, desmoralizada. A nova Constituição, de outro
lado, proclamava o direito de todos à educação, inclusive à educação
superior. Ora, se o que se incentiva é a continuidade dos estudos, com
consequente o acesso à educação superior, pública e privada, começa a
perder o sentido a inclusão do trabalho no currículo, seja como sondagem
de aptidões, seja como iniciação ao trabalho, e mais ainda, como
habilitação profissional. Vem então a nova LDB – Lei nº 9.394, de 20 de
dezembro de 1996 – com sua flexibilidade curricular e articulação vertical
definitiva. Difunde-se a teoria de que “a melhor preparação para o trabalho
é o aprofundamento dos estudos gerais”, que garante competências básicas
e disposição para o mundo de mutação acelerada do trabalho produtivo.
Condenam-se as especializações precoces, que congelam o perfil do
cidadão em capacitações inflexíveis. Abrem-se centenas de cursos
superiores privados, baixa-se o preço de suas mensalidades e aumentam-se
as dotações de créditos educativos. O trabalho não é mais mencionado no
capítulo da educação básica, sendo confinado como uma de várias
modalidades: a educação profissional. O número de escolas e de cursos
profissionais de nível médio nas escolas técnicas federais é congelado por
Lei e por Decreto, deixando-se seu crescimento ao sabor de convênios com
as redes estaduais e privadas. Os cursos médios profissionais integrados,
com disciplinas de educação geral e de formação profissional, são
descontinuados. Ora, se um brasileiro ou brasileira termina seu ensino
médio comum, quase sempre de medíocre qualidade, e precisa se
profissionalizar, por que ele ou ela teriam de “voltar” para um curso de
nível médio – mesmo de menor duração – se lhe é aberta a chance de fazer jm2009-03365
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um curso superior, findo o qual receberá um diploma de maior valor no
mercado ?
O Conselho Nacional de Educação produz de 1997 a 1998 as
Diretrizes Curriculares da Educação Básica: Infantil, Fundamental e Média.
Nenhuma orientação sobre a presença do trabalho nos respectivos
currículos, a não ser a remissão às Diretrizes da Educação Profissional, que
é editada em 2000.
É nesse contexto que se retomam as discussões sobre a
educação integral e a educação em jornada integral. Não admira que o que
se pretende adicionar no “turno complementar” ou “turno contrário” nunca
chega à reintrodução dos elementos constituintes do trabalho como
componente curricular. Mas – pergunta-se - pode haver uma educação
escolar integral sem a presença efetiva do trabalho no cotidiano do
currículo das escolas ?
V – Conflitos Conceituais Subjacentes
Embora não seja objetivo deste estudo, é importante
mencionar os conflitos conceituais subjacentes às questões da educação
integral e da escola com jornada integral. Não para resolvê-los, mas para
relativizar as afirmações e os dados do presente estudo.
As tentativas de historiar a evolução do tema, já ensaiadas nos
itens anteriores, mostram que há duas distinções fundamentais.
Primeira: educação como processo social global (educação em
geral) e educação como processo específico da escola (educação escolar).jm2009-03365
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Segunda: educação como desenvolvimento de potencialidades
pessoais e educação como socialização de grupos que disputam poder e
riqueza em sociedades estratificadas.
Contextualizemos historicamente a primeira. Quanto à
educação em geral: é óbvio que, ao empreender sua política colonizadora
na América, Portugal, intencionalmente, procurou substituir a cultura
indígena pela cultura européia e, desde 1500, incutiu nos silvícolas as
tecnologias e os costumes portugueses, impôs sua língua, pregou sua
religião. Em outras palavras: “integrou os novos territórios com seus povos
na cultura lusitana”. Podemos dizer que um indígena, ao aculturar-se em
São Vicente ou em Olinda, era objeto de uma proposta de educação
integral: uma vez convertido, podia chegar à plenitude da cidadania
portuguesa. Quanto à educação escolar: a partir de 1550, quando se fundam
os colégios jesuíticos, e se separam os que neles podiam estudar (meninos
brancos, mamelucos e indígenas batizados) dos que não podiam (meninos
mamelucos e índios não batizados, todos os meninos negros e todas as
meninas), o processo de integração não somente se rachava – entre
incluídos e excluídos na escola – como a própria escola deixava de abarcar
toda a cultura em seu currículo, praticando uma educação elitista e parcial
(por exemplo, não formando os meninos e adolescentes para o trabalho
manual), embora com um regime escolar de tempo integral, dado pela
forma de internato.
Estas práticas se decantavam no regime estamental
escravocrata, que se estendeu até o século XIX. Mas já então fica clara a
distinção entre educação integral e educação em tempo integral.
Na sociedade de classes, as relações entre educação em geral e
educação escolar ficam mais complexas, e mergulhamos num período de jm2009-03365
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construção social de novas desigualdades, pela instauração e crescimento
do modelo seletivo de educação escolar.
Neste modelo, em que a todos se dava a oportunidade de se
escolarizar – à medida que a sociedade se urbanizava - e de todos se
cobrava um currículo que gradativamente selecionava os mais aptos para os
graus superiores, duas correntes de pensamento curricular prosperaram,
paralelamente. A primeira, de viés mais psicológico, insistia na educação –
tanto a geral como a escolar – como desenvolvimento de potencialidades,
do que se depreendia a necessidade de ela ser o mais “integral” possível.
Daí a defesa, tanto da universalização do acesso a todos os níveis de
escolarização, quanto da introdução do maior número de disciplinas e
práticas educativas no currículo. A segunda, mais “realista”, se pautava
pela preparação para o exercício do trabalho, e admitia tanto o freio ao fim
de cada etapa (primário, ginasial, colegial e superior) – para se adaptar a
ocupações de maior ou menor complexidade no mercado – quanto a
diversidade de itinerários: cursos profissionais “precoces” para uns e cursos
propedêuticos para outros. Obviamente, também, essas diferenciações se
davam pela clivagem de classe social.
Nesse período de educação escolar seletiva (de 1827 a 1988),
uma vez generalizada a prática dos turnos reduzidos (em nome da
democratização de acesso), e como que inviabilizada a perspectiva da volta
às escolas de jornada integral, surgem, na pedagogia, que fazia a reflexão
sobre tempos e espaços escolares, os conceitos de currículo oculto e, mais
tarde, de currículo complementar, aos quais se contrapunha a defesa, mais
ideológica do que real, da politecnia.
Currículo oculto é a designação que se encontrou para explicar
os avanços ou entraves que os estudantes apresentavam em sua jm2009-03365
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aprendizagem, não derivados do desenvolvimento do currículo formal.
Exemplificando. As crianças não tinham previstas em seu “quadro
curricular” aulas de literatura de cordel, mas viviam brincando com
repentes nos recreios. Os adolescentes não contavam com tempo curricular
de estudos sobre o futebol e sabiam mais do que os professores sobre a
matéria. Em compensação, ficavam “travados” no aprendizado de uma
determinada língua estrangeira, de que tinham aulas durante anos, porque
corria na cidade o boato de que era muito difícil, era coisa de “filho de
papai”, que se aprende somente em cursos especiais de idioma. Em outras
palavras: o currículo escolar explícito dava conta somente de parte do
aprendizado dos estudantes. É claro que isso é um fato universal, que
sempre existiu; mas ficou mais patente quando o horário escolar reduzido
abriu tempo maior para as aprendizagens extra-curriculares, extraescolares. Não falamos aqui dos “deveres de casa” ou de atividades extraclasse, que são prolongamentos ou variações explícitas do currículo formal.
Mas, do que é oculto, como que ignorado pelos professores e, por isso,
precisava ser re-apropriado em seus planos de curso.
De 1980 em diante, entra em voga outro conceito, na linha de
uma política compensatória, tal como a da alimentação escolar e a do livro
didático. São as “atividades complementares” ao currículo. Esportes,
dança, artes plásticas, informática, estudos de reforço, “dever de casa
assistido” e outras ações que se destinavam não a completar, mas a
complementar, digamos, a enriquecer os conhecimentos e habilidades dos
estudantes. Não se trata de restaurar o currículo de jornada integral, mas de
propiciar, principalmente às populações em risco social, às famílias menos
escolarizadas e mais pobres, um “segundo turno”, que mais se acrescentava
do que desenvolvia as disciplinas da “grade curricular” do turno regular.
Na prática, tomava-se parte do tempo disponível de certos segmentos do jm2009-03365
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alunado, usado antes no currículo oculto, para ações explícitas e abertas.
Raramente articuladas com as atividades do currículo comum “reduzido”,
elas mais raramente ainda incorporavam atividades de trabalho produtivo, a
esta altura postos em suspeição pela onda do “NÃO AO TRABALHO
INFANTIL” e pela consigna do “LUGAR DE CRIANÇA É NA
ESCOLA”.
Registre-se que a idéia do trabalho produtivo no currículo não
havia sido banida da reflexão pedagógica, mesmo porque a maioria dos
acadêmicos se arvorava seguidora das idéias de Marx, o qual, ele próprio,
receitava em suas propostas pedagógicas a “união entre o trabalho e o
estudo no currículo”, como forma de superar a dicotomia entre trabalho
intelectual e trabalho manual. Em seus escritos, defende uma incorporação
gradativa – a partir dos dez anos de idade - de oito, doze e dezesseis horas
semanais de trabalho produtivo às atividades didáticas. Daí, inclusive,
surgira a defesa da escola “politécnica”, currículo do ciclo secundário onde
os estudantes se familiarizavam com os vários ramos da tecnologia e
enveredavam pelo que melhor lhes adaptasse às aptidões e pretensões. Mas
os conhecedores e defensores da politecnia nas bancas de pós-graduação,
na hora de matricular seus filhos, escolhiam as escolas mais propedêuticas
e afastadas das máquinas e dos esforços musculares. O trabalho no
currículo era relegado a “princípio educativo”, a luz para o conhecimento
do mundo produtivo, e, quando proposto para compor o currículo regular
ou “complementar”, encontrava opositores até entre os defensores da
cultura operária.
Por estranho que pareça, até mesmo entre as instituições
patronais, um pouco pelos progressos da automação, outro pouco pelo
avanço geral da escolaridade dos filhos das classes trabalhadoras, os jm2009-03365
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antigos cursos de aprendizagem a que acima aludimos foram desativados e
se firmou a tendência de oferta de cursos profissionais pós-médios ou de
nível superior. Não admira que o SENAC, atualmente, tenha como uma de
suas frentes mais atuantes os cursos de graduação e pós-graduação.
Não seria justo omitir aqui uma outra tendência corrente nas
últimas duas décadas, diametralmente oposta às anteriores: a da associação
da educação integral e da escola em jornada integral à busca da qualidade
do ensino. Todos os que se debruçam sobre as origens da desqualificação
da aprendizagem ou que fazem estudos internacionais comparados
percebem esta correlação: jornada integral dos alunos – jornada integral
dos professores – qualidade da aprendizagem. Alguns, de forma mecânica,
como se mais horas de aulas gerem necessariamente mais aprendizagem
significativa; ou, como se maiores salários para os professores redundem
automaticamente em melhor ensino. Outros, de forma crítica, científica,
perscrutando os elementos constituintes da questão, tal como tentamos
neste estudo.
Não se pode negar o efeito nefasto sobre a qualidade da
educação decorrente da introdução de turnos reduzidos para os estudantes e
de contratos múltiplos de trabalho para os professores. Mas, não se trata de
voltar ao passado e, mecanicamente, restaurar as situações anteriores. É
preciso entender os desafios do presente, as configurações novas da
demanda e, principalmente, da oferta da educação escolar, inclusive
absorvendo as possibilidades das novas tecnologias de informação e
comunicação.
VI – Políticas Públicas e Políticas Sociais de Reimplantação das Escolas com Jornada Integraljm2009-03365
29
Como já foi registrado na Introdução deste estudo, exemplos
esparsos e práticas regulares de oferta de escolas em tempo integral nunca
deixaram de existir na educação básica. Entre as últimas, o atendimento em
creches e os estabelecimentos de ensino militar, de educação profissional e
de formação de quadros religiosos. Entre os primeiros, escolas municipais
de ensino fundamental, principalmente tributários das idéias de Darcy
Ribeiro, inspiradas no modelo dos CIEPS.
Mais recentemente, observamos a implantação de políticas
públicas em três vertentes: a de ampliação da duração do turno; a da
“complementação” do currículo com oferta de atividades no “contraturno”; e a de sustentação financeira de resgate do currículo em jornada
integral. As primeiras e segundas têm ocorrido principalmente nas redes
estaduais, destinadas a populações de baixa renda; a terceira se esboçou e
se firmou na implementação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento
da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação
(FUNDEB). O recente Programa “Mais Educação” do MEC abarca as duas
características.
O Distrito Federal, a partir de 1996, e o Estado de São Paulo,
mais recentemente, ampliaram o horário dos turnos matutino e vespertino
para cinco horas de duração. Não há evidências de melhoria notável de
desempenho dos estudantes. Já as políticas de governos estaduais e
municipais destinadas a complementar o currículo no “contraturno” foram
bastante numerosas e associadas quase sempre à focalização de clientelas
de baixa renda ou de “risco social”, com argumentos, inclusive, de
contribuir para a segurança das comunidades abrangidas. No Estado do
Mato Grosso, por exemplo, desenvolveu-se na década de 1990 o Projeto
Xané. Em cada governo, essa “complementação” era batizada com um jm2009-03365
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nome “de marca”, e não subsistia ao mandato do governador ou prefeito de
plantão. Em nível federal há algo semelhante, o Programa Segundo Tempo
do Ministério dos Esportes. Recentemente, o Governo do Distrito Federal
anunciou um ambicioso programa para a implantação das Escolas em
Tempo Integral, sob o comando do deputado Alceni Guerra, que já havia
feito experiência similar em Pato Branco, no Paraná, hoje desativada. Na
verdade, na versão em prática no Distrito Federal, as atividades do
contraturno – opcionais, a critério das famílias - são desenvolvidas por
monitores em várias áreas, que dedicam vinte horas semanais de trabalho
em troca de bolsas de estudo em cursos de graduação em faculdades
privadas. Não existe a mínima “integração curricular” com o projeto
pedagógico da escola.
Registre-se que todas estas políticas de expansão da carga
horária têm perfeita base legal, tanto na LDB, quanto na Lei nº 10.172, de
2001, que fixou o Plano Nacional de Educação. O artigo 34 da lei nº 9.394,
de 1996, garante o mínimo de quatro horas diárias no ensino fundamental e
seu § 2º diz que ele será progressivamente ministrado em tempo integral, a
critério dos sistemas de ensino. E o § 5º do art. 87 da mesma lei prescreve:
“Serão conjugados todos os esforços objetivando a progressão das redes
escolares públicas urbanas de ensino fundamental para o regime de
escolas de tempo integral”. Por sua vez, o PNE dispõe que “.....................
Em razão destes mandatos legais e da pressão social pela
implantação das escolas com jornada integral, a Lei nº 11.494 previu que a
distribuição dos recursos do Fundeb se fizesse aos governos estaduais e
municipais de forma diferenciada, de acordo com a natureza das
matrículas. Previu, em seus artigos 10 e 36, maiores recursos para as
creches, pré-escolas e escolas de ensino fundamental e médio de tempo jm2009-03365
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integral. Resolução da Comissão Intergovernamental do Fundeb arbitrou,
para 2008 e 2009, variações de 25% a 30% a mais de recursos financeiros
para estas escolas, desde que seus alunos nelas permanecessem,
diariamente, pelo menos sete horas. Essa política de Estado teve impacto
imediato, motivando muitos secretários estaduais e municipais de educação
a considerarem menos inviável a implantação da jornada integral.
Tanto para imprimir uma orientação pedagógica como para dar
maior suporte financeiro, o MEC inaugurou, em abril de 2007, o Programa
Mais Educação. Por ele, todas as escolas que aderirem ao regime de tempo
integral podem se candidatar a receber recursos financeiros de apoio a suas
atividades. Em 2009, cinco mil escolas são atingidas, principalmente as de
cidades com mais de 100.000 habitantes com baixos índices de
desempenho escolar. As instruções sobre o Programa se encontram no sítio
do MEC. Um Texto-Referência reflete a concepção dominante sobre o
tema – ausentes as atividades de trabalho produtivo na proposta de
currículo nas escolas com jornada integral.
Entretanto, não é só o Brasil que debate e se envolve nesta
questão. Mesmo que sumariamente, é preciso termos dela uma visão
internacional.
VII – A Questão da Jornada Integral dos Estudantes e dos
Professores em Perspectiva Internacional
Enquanto, no Brasil, evolui da forma descrita a educação
escolar, os outros países, grosso modo, comportaram no Século XX duas
situações: os que tiveram um processo de desenvolvimento sustentado na
indústria e numa maioria de população de classe média conservaram a
jornada integral nos currículos de suas escolas primárias; os que sofreram jm2009-03365
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um crescimento demográfico acelerado e tiveram seu desenvolvimento
baseado na exploração de uma maioria de classes populares trabalhadoras,
“optaram” pelo regime de turnos reduzidos.
Quase todos os países da Europa, o Japão, os Estados Unidos e
o Canadá sustentaram sempre suas escolas públicas em tempo integral. Os
países da América Latina, mesmo os de educação mais desenvolvida, como
a Argentina, Uruguai e Chile, todos enveredaram pela redução de jornada
dos alunos. São exceções compreensíveis a Guiana, Jamaica, Suriname e
outras comunidades ligadas à Inglaterra, França e Holanda.
Quanto à duplicação de jornada dos professores, a situação é
bem diferente. Há alguns países, como o México, onde tal fenômeno
acontece, mas não é regra geral, muito menos legalizada
constitucionalmente, como ocorre no Brasil. Existe, no entanto, a reflexão
de que a jornada ideal dos docentes é a que se caracteriza pelo trabalho
integral e exclusivo numa só escola, o que permite a identidade do
professor com a proposta pedagógica do estabelecimento.
De 1960 para cá, Cuba empreendeu um itinerário de
reimplantação da jornada integral, hoje generalizada na Ilha. Sem dúvida,
aconteceram ganhos relevantes em relação à qualidade da aprendizagem
dos estudantes cubanos. Mas, não é demais recordar que a qualidade da
educação cubana pode resultar mais de seu caráter radicalmente unitário: lá
não existe escola privada. Mais recentemente, Uruguai, Argentina e Chile
se propuseram a gradualmente voltar ao currículo de tempo integral. Com
maior força institucional está no mesmo caminho a Venezuela, dentro de
seu programa de instauração das “escuelas bolivarianas”, que já envolvem
a maioria dos estudantes primários e secundários do país.jm2009-03365
33
Em relação à jornada de trabalho dos professores da educação
básica pública, a Internacional da Educação, confederação sindical que
congrega as associações profissionais de todo o mundo, defende não
somente a jornada integral e exclusiva como a composição de trabalho
dividida entre horas de docência e horas de atividades de formação
continuada, estudos pessoais, preparação dos cursos, avaliação dos alunos,
integração nos coletivos escolares e contatos com a comunidade local. Sem
o correspondente ordenamento da jornada docente, ficam como que
anulados os bons resultados que poderia trazer para a qualidade da
aprendizagem o regime de jornada integral para os estudantes.
VIII – Proposições Legislativas para a Escola em Jornada
Integral
Dando cumprimento a sua missão legislativa, em decorrência
dos dispositivos da Constituição Federal, da LDB e do PNE, o Poder
Executivo e vários parlamentares protocolaram Propostas de Emenda à
Constituição (PEC) e projetos de lei sobre a educação escolar em jornada
integral.
Destacamos duas PEC de atuais senadores e a Medida
Provisória (MPV) nº 339, de 2006, que foi aprovada no ano seguinte
convertida na Lei nº 11.494, que regulamentou o Fundeb.
Em 2003, o Senador Demóstenes Torres apresentou a Proposta
de Emenda à Constituição nº 94, pela qual se fazia importante mudança no
art. 208, que trata dos deveres do Estado para com a educação. Pela PEC, a
obrigação de oferta do ensino fundamental obrigatório passava a ser em jm2009-03365
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“tempo integral”. Para regular a matéria, na própria PEC , incluindo-se
novo parágrafo ao art. 60 do ADCT, dava-se o prazo de implantação da
medida até o ano de 2010. Parecer do Senador Eduardo Azeredo, aprovado
na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), procurou viabilizar
financeiramente a proposta, acrescentando ao art. 159 da Constituição
receita suplementar de 1% do Imposto sobre a Renda e do Imposto sobre os
Produtos Industrializados para sustentar um percentual de implantação
anual de 6% das matrículas, de forma a que em 2022 todo o ensino
fundamental fosse em tempo integral. Recorde-se que, no ano da
apresentação da PEC o art. 60 do ADCT disciplinava o Fundef, que
focalizava os esforços da União no ensino fundamental. Mas, em 2007,
quando foi aprovada na CCJ, a proposta estava na contra-mão da política
do governo federal que transportara para toda a educação básica os avanços
do Fundef, já transformado em Fundeb, pela Emenda Constitucional nº 53,
de dezembro de 2006.
A Proposta de Emenda à Constituição nº 74, de 2005, de
autoria do Senador Cristovam Buarque trata, entre outras questões, da
jornada em tempo integral na educação básica. Por ela, o sétimo princípio
do ensino no Brasil, elencado no art. 206, passaria a ter a seguinte redação:
“garantia de padrão de qualidade, com a oferta obrigatória de educação
básica em jornada integral, na forma da lei.” Registre-se o cuidado de não
se tocar na LDB sem antes estabelecer a relação com matéria
constitucional. À flexibilidade da lei caberia dispor sobre as condições de
implantação da PEC, uma vez aprovada. Ela se encontra em tramitação na
Comissão de Constituição e Justiça e o atual relator é o Senador Adelmir
Santana, do Distrito Federal, que tem preparado parecer favorável à sua
aprovação. Na mesma PEC consta uma proposta de reforço de
financiamento, por meio de um artigo no ADCT, que o autor denomina de jm2009-03365
35
“Poupança Educacional do Brasil”, no valor de 2% da receita federal bruta,
tanto dos impostos quanto das contribuições sociais, para investimento da
qualidade do ensino fundamental e médio públicos.
Aprovada em dezembro de 2006 a Emenda Constitucional nº
53, que criou o Fundeb, era urgente regulamentá-la, de forma a que, em
janeiro do ano seguinte, as matrículas da educação básica pública em todas
as suas etapas e modalidades fossem consideradas, com as respectivas
ponderações, para a distribuição dos recursos financeiros dos Fundos para
as redes estaduais e municipais. Foi editada, ainda no mesmo mês, a MPV
nº 339, que tramitou no Congresso Nacional em 2007, tendo-se convertida
na Lei nº 11.494, de 20 de junho de 2007.
O art. 10 desta Lei dá o passo mais importante no sentido da
implantação das escolas em jornada integral, já previstas na LDB e no
PNE, uma vez que considera este fator como percentual adicional no valor
financeiro dos repasses do Fundeb para as contas do estado e dos
respectivos municípios. Atente-se a seu texto:
“A distribuição proporcional de recursos dos Fundos levará em conta as
seguintes diferenças entre etapas, modalidades e tipos de estabelecimento
de ensino da educação básica:
I – Creche em tempo integral;
II – Pré-escola em tempo integral;
III – Creche em tempo parcial;
IV – Pré-escola em tempo parcial
.......jm2009-03365
36
IX – ensino fundamental em tempo integral;
XII – ensino médio em tempo integral;
XIII – ensino médio integrado à educação profissional.
O valor-base, correspondente a 1.00, é o das matrículas dos
anos iniciais do ensino fundamental urbano. As variações, que são
definidas pela Comissão Intergovernamental de Financiamento para a
Educação Básica de Qualidade (art. 12 da mesma Lei), contemplaram
sempre adicionais significativos para as matrículas em jornada integral:
1.10 para a creche e pré-escola; 1.25 para o ensino fundamental e 1.30 para
o ensino médio, inclusive para o integrado à educação profissional.
Percebe-se que há uma reaproximação da concepção de “escola em jornada
integral” com “educação integral”, no sentido da inserção do trabalho no
currículo.
É óbvio que as despesas com a oferta de qualquer etapa em
jornada integral, em relação ao tempo parcial ou turno reduzido, ultrapassa
as variações a maior previstas no Fundeb. Mas entende-se que seria
precipitado induzir estados e municípios à implantação da jornada integral
pela oferta imediata de 50% ou mesmo 80% a mais de recursos pelo
Fundeb. É importante salientar que existem outras fontes de financiamento,
além do Fundeb, e que o crescimento do custo-aluno-qualidade se dá
essencialmente pelo aumento da arrecadação de tributos e do percentual
vinculado à MDE.
IX – Perspectivas de Financiamento e de Implantação:
questões na demanda social e na oferta educacionaljm2009-03365
37
Tendo em vista os objetivos do Senador no pedido deste
estudo, é importante finalizar este trabalho fazendo um balanço das
demandas educacionais do País e da oferta de escolas em jornada integral e
em tempo parcial.
Quanto à creche, existem hoje cerca de 13.000.000 de crianças
até três anos de idade. São matriculadas em creches em tempo integral
públicas ou comunitárias conveniadas – forma tradicional de atendimento
à demanda das mães trabalhadoras - um pouco mais de um milhão. Em
creches de tempo parcial, públicas e comunitárias, cuja oferta foi
estimulada pela variação de repasse do Fundeb, um pouco mais de
quinhentas mil. Ambas respondem por aproximadamente 12% da demanda
potencial, que é atendida por outro tanto de matrículas em creches privadas.
Quanto à pré-escola, destinada a crianças de quatro e cinco
anos, a demanda potencial é de 6.500.000 crianças e as matrículas totais
estão perto de 5.000.000 – 70% públicas e comunitárias (estas últimas até
2009 consideradas no Fundeb) e 30% privadas. Do total de públicas e
comunitárias, menos de 10% são matrículas em tempo integral.
No ensino fundamental, com duração de nove anos, os dados
de 2008 de matrículas gerais e em tempo integral, que serão analisados em
seguida, mostram uma oferta na rede pública de aproximadamente
28.000.000 e 700.000, respectivamente. A jornada integral corresponde,
portanto, a um pouco mais de 2% das matrículas.
No ensino médio, que atende a quase 9.000.000 de estudantes,
as matrículas em tempo integral são residuais. jm2009-03365
38
Para efeito deste estudo, decidiu-se analisar com mais vagar a
situação no ensino fundamental, tendo como base os dados estatísticos que
estão sendo usados na distribuição dos recursos do Fundeb em 2009, que se
encontram no sítio do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação
(FNDE), dentro da página do Fundeb.
Apresenta-se, em primeiro lugar, um quadro das matrículas no
ensino fundamental em tempo integral nos estados, com destaque para as
redes estaduais. Em seguida, duas tabelas referentes a redes municipais: a
primeira, classificada segundo o número de matrículas; a segunda,
classificadas segundo o percentual de estudantes em tempo integral em
relação ao total das matrículas no ensino fundamental da rede municipal.
Tabela I - Matrículas no ensino fundamental em tempo integral – 2008
Ordem Estado Rede Estadual Total
1º São Paulo 128.964 201.714
2º Minas Gerais 80.294 118.733
3º Rio de Janeiro 38.681 89.878
4º Paraná 6.914 48.400
5º Santa Catarina 14.775 30.431
6º Tocantins 14.571 22.582
7º Ceará 710 21.547
8º Pernambuco 2.572 19.177
9º Amazonas 18.395 18.632
10 Rio Grande do Sul 6.172 18.317
11 Goiás 9.742 17.019
12 Rio Grande do Norte 4.449 16.742
13 Bahia 3.925 13.991
14 Mato Grosso 526 11.323
15 Mato Grosso do Sul 1.179 9.635
16 Espírito Santo 3.597 9.187
17 Alagoas 3.946 7.091
18 Distrito Federal 5.113 5.113
19 Rondônia 89 4.886
20 Maranhão 1.534 3.476
21 Paraíba 1.386 2.737
22 Piauí 221 1.427
23 Pará 180 1.375
24 Sergipe 686 947
25 Amapá 49 642
26 Roraima 32 32
27 Acre 12 28
BRASIL 348.714 695.062jm2009-03365
39
Tabela II - Municípios com maior número de matrículas em tempo integral, com
respectivos percentuais em relação ao total no ensino fundamental
UF Município em tempo
integral
Total no EF %
1º RJ Rio de Janeiro 29.278 561.928 5,21 43º
2º PR Curitiba 15.021 100.840 14,89 21º
3º MG Belo Horizonte 13.506 135.852 9,94 30º
4º RJ Nova Iguaçu 12.153 52.572 23,11 15º
5º SP São Paulo 9.364 523.376 1,79
6º PR Apucarana 6.761 8.370 80,77 3º
7º MT Cuiabá 6.662 31.737 20,99 17º
8º SP Campos do Jordão 3.734 7.887 47,34 6º
9º SP Taubaté 3.416 30.723 11,12 29º
10 SP Praia Grande 3.231 27.853 11,60 26º
11 SP Americana 3.222 6.612 48,73 4º
12 SP Olímpia 3.050 3.050 100,00 1º
13 GO Goiânia 2.810 80.043 3,51 45º
14 SP São Roque 2.730 10.112 27,00 12º
15 SP São Vicente 2.677 32.668 8,19 33º
16 PE Santos 2.381 20.812 11,44 28º
17 SP Recife 2.363 83.712 2,82 47º
18 TO Palmas 2.345 19.335 12,13 25º
19 CE Sobral 2.240 24.697 9,07 31º
20 BA Vit. da Conquista 2.200 28.435 7,74 36º
21 AL Arapiraca 2.159 27.559 7,83 35º
22 RO Ariquemes 2.097 1 10.800 19,42 18º
23 SP S.José dos Campos 1.977 31.421 6,29 41º
24 ES Vitória 1.874 29.729 6,30 40º
25 MG Juiz de Fora 1.837 33.143 5,54 42º
26 SP Bebedouro 1.719 4.732 36,33 10º
27 SP Votuporanga 1.676 4.322 38,78 9º
28 SC Chapecó 1.570 10.584 14,83 22º
29 RJ Macaé 1.565 22.762 6,87 38º
30 MG Contagem 1.562 52.131 3,00 46º
31 MG Uberaba 1.458 16.866 8,64 32º
32 CE Russas 1.370 9.859 13,89 23º
34 CE Iguatu 1.336 10.497 12,73 24º
35 MG Paranaíba 1.302 2.682 48,54 5º
36 MG Mariana 1.294 5.362 24,13 13º
37 RN Natal 1.275 31.215 4,08 44º
38 SP Ilha Solteira 1.272 1.462 87,00 2º
39 PR Guarapuava 1.260 16.591 7,59 37º
40 MG Cel. Fabriciano 1.157 5.972 19,37 19º
41 SC Itajaí 1.150 17.564 6,55 39º
42 SP Capivari 1.142 4.808 23,75 14º
43 SP São Caetano do Sul 1.139 9.818 11,60 27º
44 SP Barueri 1.133 46.285 2,45
45 SP Penápolis 1.078 2.623 41,10 8º
46 SP Mirassol 1.057 3.379 31,28 11ºjm2009-03365
40
47 RO Alta Floresta d’Oeste 1.043 2.520 41,39 7º
48 MG Poços de Caldas 1.031 12.856 8,02 34º
49 SP Assis 1.030 5.525 18,64 20º
50 PE Limoeiro 1.015 4.591 22,11 16º
Tabela III – Municípios com maior percentual de matrículas em TI
Ordem UF Município Tempo
Integral
Total no
Fundamental
Percentual
de Integral
1º SP Olímpia 3.050 3.050 100,00
2º PR Porecatu 812 812 100,00
3º SP Teodoro Sampaio 333 333 100,00
4º RS Muçum 282 286 98,60
5º MS Rio Negro 300 310 96,77
6º SP Apiaí 776 836 92,82
7º RS Dilermando de Aguiar 296 326 90,80
8º SC Cordilheira Alta 336 377 89,12
9º SP Ilha Solteira 1.272 1.462 87,00
10 SP Casa Branca 392 481 81,50
11 PR Apucarana 6.761 8.370 80,77
12 MS Rochedo 415 578 71,80
13 TO Monte do Carmo 528 749 70,49
14 SP Jambeiro 636 930 68,39
15 RS Pedras Altas 286 455 62,86
16 MT Água Boa 939 1.702 55,17
17 TO Porto Nacional 987 1.89049 52,22
18 MG Diogo de Vasconcelos 218 421 51,78
19 MG Araporá 481 961 50,05
20 PR Corbélia 603 1.205 50,04
21 SP Ipeúna 272 547 49,73
22 PR São Tomé 211 430 49,07
23 SP Americana 3.222 6.612 48,73
24 RS Herval 325 668 48,65
25 MS Paranaíba 1.302 2.682 48,54
26 SP Campos do Jordão 3.734 7.887 47,34
27 MG Jaguaraçu 212 453 46,80
28 RO A.Floresta d’Oeste 1.043 2.520 41,39
29 SP Penápolis 1.078 2.623 41,20
30 SP Duartina 288 719 40,05
31 SP Votuporanga 1.676 4.322 38,78
32 RO Costa Marques 686 1.804 38,03
33 MT Terra Nova 530 1.408 37,64
34 RN Portalegre 297 793 37,45
35 PB Barra de Santana 456 1.220 37,38
36 SP Bebedouro 1.719 4.732 36,33
37 PE Itacuruba 286 804 35,57
38 SP Avanhandava 246 723 34,02
39 RS Pinheiro Machado 506 1.489 33,98
40 SP Pirassununga 909 2.715 33,48
41 PR Sertanópolis 297 889 33,41
42 RN Sen.Georgino Avelino 271 818 33,13jm2009-03365
41
43 RN Ten.Laurentino Cruz 304 927 32,79
44 SP Cordeirópolis 558 1.738 32,10
45 RS São Sepé 532 1.673 31,80
46 SP Mirassol 1.057 3.379 31,28
47 SP Colina 456 1.475 30,91
48 SP Junqueirópolis 299 996 30,02
49 PR Chopinzinho 415 1.390 29,86
50 PR Assai 374 1.265 29,57
Das três tabelas, ressaltam-se os seguintes pontos para análise:
a) Embora a LDB, em seu art. 87, e o PNE, em sua meta 2.21, tenham
recomendado explicitamente, em 1996 e em 2001, a progressiva
expansão da duração da jornada no ensino fundamental para, pelo
menos, sete horas diárias, ainda é muito pequeno o percentual de
matrículas em jornada integral, tanto nas redes estaduais como nas
municipais, com raríssimas exceções nestas últimas. Mesmo o
Estado e o Município do Rio de Janeiro, que já tiveram mais de
metade de suas redes no regime de tempo integral dos CIEPS,
regrediram para os percentuais de 3% e 5%, respectivamente.
b) O número de municípios com mais de mil matrículas em tempo
integral no ensino fundamental é de 50, ou seja, menos de 1% no
conjunto dos 5.564 municípios brasileiros. Julga-se que mil alunos
seria o número mínimo para dar densidade a uma política pública
significativa. Já o número de municípios cujas matrículas em tempo
integral constituem pelo menos 30% do total é de 48 . Esse dado dá
pistas para estudos mais acurados sobre os impactos nas finanças e
na qualidade de ensino dos respectivos municípios.
c) Em três municípios (Olímpia, SP; Porecatu, PR e Teodoro Sampaio,
SP) houve a decisão da oferta exclusiva do ensino fundamental em
tempo integral. Em mais oito, o percentual é superior a 80%, o que
caracteriza uma opção política definida para o tempo integral. Onze jm2009-03365
42
municípios, entretanto, representam 0,2% das municipalidades – o
que confirma a timidez do processo de “progressiva oferta do ensino
fundamental em tempo integral”.
d) Informações não oficiais que chegaram à Consultoria dão conta que
nos Municípios de Apucarana, PR e Americana, SP, a existência de
escolas de jornada integral data de mais de dez anos, o que
justificaria um estudo específico para apurar as conseqüências desta
política para o financiamento e a qualidade do ensino.
Preliminarmente, pode-se dizer que em Apucarana os IDEB da rede
municipal em 2007 são 5,3 e 4,6 para os anos iniciais e finais –
enquanto os do Paraná são 5,2 e 4,0 – e em Americana são 5,5 e 5,0,
respectivamente – enquanto os de São Paulo são 4,2 e 4,0.
Entretanto, as comparações precisariam ser feitas mais com os
resultados anteriores do próprio município, o que requeriria um
estudo específico.
e) Tanto os Estados como os Municípios com mais alunos em tempo
integral se localizam nas regiões Sudeste e Sul, refletindo como que
uma continuidade da pressão social por tal regime horário, em razão
do emprego das mães no mercado formal de trabalho. Entretanto as
redes estaduais de 19 Estados têm mais de mil matrículas em tempo
integral e todos possuem Municípios com alguma oferta de escolas
com jornada integral.
f) O impacto do Programa Mais Educação ainda não se faz sentir nas
estatísticas do Censo Escolar de 2008. Espera-se que tal aconteça em
relação ao Censo de 2009. Espera-se, também, que o estímulo de
25% a mais no valor de repasse do Fundeb por matrícula no ensino
fundamental em tempo integral seja divulgado e a ele se acresçam
outros incentivos financeiros e pedagógicos. jm2009-03365
43
Conclusões Preliminares
O presente estudo, embora tenha procurado aprofundar as
questões e examinar a totalidade da questão, ressente-se de uma limitação
básica: a impossibilidade de contatos diretos com gestores, professores e
estudantes que vivem a experiência das escolas que funcional com jornada
integral.
Com isso, foi impossível fazer-se uma descrição sequer das
propostas pedagógicas em curso, dos resultados em relação à aprendizagem
dos conteúdos e aos ganhos de cidadania e de preparação para o trabalho.
Muito menos ainda se conseguiu visualizar os problemas de financiamento,
os quais certamente se constituem no óbice mais frequente à proposta. Em
Ariquemes, Rondônia, uma experiência muito interessante, envolvendo
mais de 2.000 alunos, tem tido um custo de tal monta que inviabilizou a
ampliação do programa em curto prazo. De outro lado, o autor deste estudo
viveu, na década de 1970, uma experiência de escola de 1º Grau com
jornada de seis horas – quatro em um turno e duas em outro – onde
atividades de educação física e de trabalho em hortas, pomares e oficinas
resultavam em auto-financiamento de boa parte das despesas escolares,
inclusive da merenda escolar, com sobras em dinheiro para os estudantesaprendizes.
Diante do desafio que a proposta da escola em jornada integral
representa para a educação brasileira e da responsabilidade que tem o
Congresso Nacional em defini-la ou não como diretriz prioritária a se
buscar em futuro próximo, esta Consultoria conclui pela necessidade
urgente de estudos de caso – para os quais já existem suficientes e
diferenciadas experiências em estados e municípios – e de pesquisas sobre jm2009-03365
44
financiamento e currículos alternativos que possam viabilizar o que é
conquista da maior parte dos atuais países desenvolvidos e que já foi
prática corrente de nossa educação escolar nos tempos do elitismo e da
seletividade. Finalmente, esta Consultoria recomenda a realização de uma
audiência pública que pudesse reunir autoridades federais, estaduais e
municipais envolvidas na questão bem como representantes de países
latino-americanos que já estão em estado avançado na oferta das escolas
em tempo integral.
Consultoria Legislativa, 18 de junho de 2009
João Antonio Cabral de Monlevade
Consultor Legislativ

EM DEFESA DO MEIO AMBIENTE E DA EDUCAÇÃO INTEGRAL PARA A PERIFERIA

EM DEFESA DO MEIO AMBIENTE E DA EDUCAÇÃO INTEGRAL PARA A PERIFERIA
por Nonato Nery, quinta, 26 de maio de 2011 às 13:25

26 maio 2011 ... CONTRA. CEMITÉRIO. Os moradores do. Setor QNR 05, em Ceilândia, grande manifestação nesta quinta-feira contra a ESPECULAÇÃO IMOBILIÁRIA E FINANCEIRA
A FAVOR DA CRIAÇÃO DO PARQUE CALIANDRA: EM DEFESA DO MEIO AMBIENTE E DA EDUCAÇÃO INTEGRAL PARA A PERIFERIA;
A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar.
( Eduardo Galeno )

terça-feira, 24 de maio de 2011

orkut - meu orkut

orkut - meu orkutA utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar.
( Eduardo Galeno )

Ecopedagogia: Cyberbullying - Criança Mais Segura na Internet

Ecopedagogia: Cyberbullying - Criança Mais Segura na Internet

Ecopedagogia: ÁGUA - Vida e Alegria no Semiárido (Passado, prese...

Ecopedagogia: ÁGUA - Vida e Alegria no Semiárido (Passado, prese...

domingo, 22 de maio de 2011

terça-feira, 17 de maio de 2011

OS DIREITOS DOS SUJEITOS DE PESQUISA

Quais são os direitos do Sujeito de Pesquisa ?
Teoricamente, qualquer cidadão pode vir a ser um “sujeito de pesquisa”. Ao participar de uma pesquisa clínica, o indivíduo terá direitos assegurados, são eles:

1) PRIVACIDADE (anonimato): isto quer dizer que suas informações pessoais não podem ser divulgadas sem que o sujeito de pesquisa autorize. Uma vez incluído numa pesquisa clínica, o sujeito de pesquisa será identificado por suas iniciais, data de nascimento e por um código específico para cada estudo.
2) ESCLARECIMENTO: ele deve ser informado sobre todos os procedimentos e suas dúvidas devem ser esclarecidas sempre que ele solicitar. É um direito do sujeito de pesquisa perguntar sobre todas as suas dúvidas, e um dever do pesquisador esclarecê-las.

3) INFORMAÇÃO: ele deve ser informado do andamento do estudo clínico e também de seu resultado.

4) AUTONOMIA: ele tem a liberdade para decidir se quer participar. Seu modo de pensar, sua crença e seus costumes devem ser respeitados.
5) RECUSA INÓCUA: isto quer dizer que a pessoa não será prejudicada nem punida caso decida não participar.

6) DESISTÊNCIA: mesmo após a concordância em participar e assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido, o sujeito de pesquisa pode sair do estudo a qualquer momento.

7) INDENIZAÇÃO: o sujeito de pesquisa deverá se indenizado por qualquer dano que ocorra por causa do estudo.

8) RESSARCIMENTO: o sujeito de pesquisa será reembolsado de gastos em decorrência do estudo clínico (como transporte para realizar as consultas e exames previstos no protocolo). Não pode haver despesas pessoais para o sujeito de pesquisa em qualquer fase do estudo, incluindo exames e consultas.

9) ACESSO AO INVESTIGADOR E AO CEP (Comitê de Ética em Pesquisa): o sujeito de pesquisa deve saber quem é o investigador e qual é o CEP responsável pela avaliação do estudo. O sujeito de pesquisa deve ter a possibilidade de poder fazer contato com o CEP e com o pesquisador sempre que julgar necessário.

10) SALVAGUARDA DE INTEGRIDADE: isto quer dizer que a saúde do indivíduo vem em primeiro lugar. Nenhum estudo clínico deverá ser realizado caso possa prejudicar o sujeito de pesquisa, mesmo que seja altamente vantajoso para a ciência. O investigador deve interromper qualquer estudo clínico onde os riscos estejam sendo superiores aos benefícios.

SOBRE OS DIREITOS FUNDAMENTAIS DA PESSOA HUMANA

SOBRE OS DIREITOS FUNDAMENTAIS
DA PESSOA HUMANA


por Uyára Schiefer



SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. A vida como valor supremo do ser humano. 3. Dignidade da pessoa humana. 4. O valor da pessoa humana e o reconhecimento dos direitos humanos. 5. As gerações nos Direitos Fundamentais. 6 Conclusão. 7. Palavras-chaves. 8. Referências Bibliográficas.



1. INTRODUÇÃO


O tema Direitos Humanos tem sido, na atualidade, objeto de inúmeros debates. Muito embora, há vários séculos, os homens tenham consciência de que a pessoa humana tem direitos fundamentais, cujo respeito é indispensável para a sobrevivência do indivíduo em condições dignas e compatíveis com sua natureza.
Esses direitos fundamentais nascem com o indivíduo e, por isso, não podem ser considerados como uma concessão do Estado. É por essa razão que, no preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos do Homem (ONU-1948), não se diz que tais direitos são outorgados ou mesmo reconhecidos, preferindo-se dizer que eles são proclamados, numa clara afirmação de que eles pré existem a todas as instituições políticas e sociais, não podendo, assim, ser retirados ou restringidos por essas instituições. Essa Proclamação dos Direitos Fundamentais da Pessoa Humana torna claro que as instituições governamentais devem proteger tais direitos contra qualquer ofensa.
Cada pessoa, portanto, deve ter a possibilidade de exigir que a sociedade e todas as demais pessoas respeitem sua dignidade e garantam os meios de atendimento das suas necessidades básicas.
Quais seriam estes Direitos Fundamentais, esses Direitos Humanos? A evolução histórica e a experiência jurídica é que ditam o conteúdo desses direitos nos aspectos civis, políticos, econômicos, sociais, culturais, etc.
Os direitos humanos assumem uma posição bidimensional ao constituírem, por um lado, um ideal a atingir: o ideal da conciliação entre os direitos do indivíduo e os da sociedade; e, por outro lado, por assegurarem um campo legítimo para o embate democrático em oposição ao totalitarismo, negação de qualquer direito.
No entender do ilustre Professor J.J.Gomes Canotilho, as expressões “direitos do homem” e “direitos fundamentais” são freqüentemente utilizadas como sinônimas. Segundo a sua origem e significado, poder-se-iam distingui-las da seguinte maneira: direitos do homem são direitos válidos para todos os povos e em todos os tempos (dimensão jusnaturalista-universalista) e direitos fundamentais, que são os direitos do homem jurídico-institucionalizadamente garantidos. Os direitos do homem adviriam da própria natureza humana e daí o seu caráter inviolável, intemporal e universal; os direitos fundamentais seriam os direitos objetivamente vigentes em uma ordem jurídica concreta.
Os direitos fundamentais cumprem a função de direitos de defesa dos cidadãos sob uma dupla perspectiva:
Constituem, num plano jurídico-objetivo, normas de competência para os poderes públicos, proibindo, fundamentalmente, as ingerências destes na esfera jurídico-individual;
Implicam, num plano jurídico-subjetivo, o poder de exercer positivamente direitos fundamentais (liberdade positiva) e de exigir omissões dos poderes públicos, de forma a evitar agressões lesivas por parte dos mesmos (liberdade negativa)[1].
Portanto, o estudo dos direitos do homem leva a fixar as circunstâncias concretas e históricas de seu difícil reconhecimento e sua polêmica inserção no cotidiano dos indivíduos e dos povos.
Para estudo e análise do tema ora proposto, a posição dos ilustres autores Norberto Bobbio, Cançado Trindade, Celso Lafer e os constitucionalistas Gomes Canotilho e Paulo Bonavides constituem o marco teórico desta dissertação.
O ponto central da questão dos direitos humanos, sobretudo no âmbito do terceiro mundo, concentra-se na efetividade dos mecanismos internos e internacionais de implantação desses direitos e no papel dos Estados e das Organizações não Governamentais (ONG’s).
No relatório da ONU-1993 sobre o Desenvolvimento Humano recomenda-se que as pessoas sejam o sujeito de toda a produção tecnológica, econômica e política. Já Aristóteles ensinava que “a política rege todas as artes e ciências porque ela detém a visão global daquilo que convém produzir para o bem de todos os cidadãos”. Coincide, de certa maneira, a posição do grande filósofo, com as medidas sugeridas pela ONU, abaixo mencionadas:
Reorientação dos mercados que sirvam às pessoas e não pessoas aos mercados;
Desenvolvimento e investimento em novos modelos de desenvolvimento centrados na pessoa humana e sustentáveis ecologicamente;
Enfoque na cooperação internacional nas necessidades humanas e não nas prioridades dos Estados;
Desenvolvimento de novos padrões de administração global e nacional, com maior descentralização e possibilitando maior autoridade aos governos locais.
Os Direitos Humanos têm um lugar considerável na consciência política e jurídica contemporânea. Implicam, com efeito, um estado de direito e o respeito das liberdades fundamentais sobre as quais repousa toda democracia.



2. A VIDA COMO VALOR SUPREMO DO SER HUMANO


“Não está em saber quais, quantos são esses direitos, qual a sua natureza e o seu fundamento, se são direitos naturais ou históricos, absolutos ou relativos; mas sim qual é o modo mais seguro para garanti-los, para impedir que, apesar das solenes declarações, eles sejam continuamente violados”.[2]

O direito humano à vida compreende um “princípio substantivo” em virtude do qual todo ser humano tem como direito inalienável a que sua vida seja respeitada; e um “princípio processual”, segundo o qual nenhum ser humano haverá de ser privado arbitrariamente de sua vida.
O direito à vida é básico ou fundamental porque “o gozo do direito à vida é uma condição necessária do gozo de todos os demais direitos humanos”[3].
Tomado em sua dimensão ampla e própria, o direito fundamental à vida compreende o direito de todo ser humano de não ser privado de sua vida e o direito de todo ser humano de dispor dos meios apropriados de subsistência e de um padrão de vida decente (preservação da vida, direito de viver). Como bem assinalado por F.Przetacznik, “o primeiro pertence à área dos direitos civis e políticos; o segundo, à dos direitos econômicos, sociais e culturais”.
Em suma, o direito fundamental à vida pertence, a um tempo, ao domínio dos direitos civis e políticos e, em outro, ao dos direitos econômicos, sociais e culturais.
Ilustram assim, a indivisibilidade de todos os direitos humanos.
A atual doutrina internacional dos direitos humanos efetivamente se inclina no sentido de aproximar o direito à vida em sua ampla dimensão do direito de viver.

3. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

Como princípio da “dignidade humana” entende-se a exigência enunciada por Kant como segunda fórmula do imperativo categórico: “Age de forma que trates a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre também como um fim e nunca unicamente como um meio”.
Esse imperativo estabelece, na verdade, que todo homem, aliás, todo ser racional, como fim em si mesmo, possui um valor não relativo, mas intrínseco, isto é, a dignidade. Substancialmente, a dignidade de um ser racional consiste no fato de que ele “não obedece a nenhuma lei que não seja também instituída por ele mesmo”. A moralidade, como condição dessa autonomia legislativa, é, portanto, a condição da dignidade do homem; e moralidade e humanidade são as únicas coisas que não têm preço.[4]
A filosofia Kantiana mostra que o homem, como ser racional, existe como fim em si e não simplesmente como meio. Os seres racionais estão submetidos à lei segundo a qual cada um deles jamais se trate a si mesmo ou aos outros simplesmente como meio, mas sempre e simultaneamente como fins em si.
Isso, em suma, quer dizer que só o ser humano, o ser racional, é pessoa.
Todo ser humano, sem distinção, é pessoa, ou seja, um ser espiritual, que é, ao mesmo tempo, fonte e imputação de todos os valores.
A dignidade é atributo intrínseco da essência da pessoa humana, único ser que compreende um valor interno, superior a qualquer preço, que não admite substituição equivalente.
A dignidade da pessoa humana não é uma criação constitucional, pois é um desses conceitos a priori, um dado preexistente a toda experiência especulativa, tal como a própria pessoa humana.
A Constituição, reconhecendo a sua existência e a sua eminência, transformou-a num valor supremo da ordem jurídica quando a declara como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, constituída em Estado Democrático de Direito. Convém ressaltar que não se trata de um princípio constitucional fundamental. Esclarece o eminente Professor Afonso da Silva que, a partir da promulgação da Constituição de 1988, a doutrina passou a tentar enquadrar tudo nesse conceito, sem atentar que ele é um conceito que se refere apenas à estruturação do ordenamento jurídico.

4. O VALOR DA PESSOA HUMANA E O RECONHECIMENTO DOS DIREITOS HUMANOS

O valor da pessoa, enquanto conquista histórico-axiológica, encontra a sua expressão jurídica nos direitos fundamentais do homem. É por essa razão que a análise da ruptura – o hiato entre o passado e o futuro, produzido pelo esfacelamento dos padrões da tradição ocidental – passa por uma análise da crise dos direitos humanos, que permitiu o “estado de natureza”, e não é um fenômeno externo, mas interno à nossa civilização, geradora de selvageria, que tornou homens sem lugar no mundo.
Afirma Miguel Reale que, se o homem, em dado momento de sua história, adquire consciência de seu próprio valor como pessoa, é sinal que nele havia a priori a condição de possibilidade da aquisição desse valor, o qual, uma vez adquirido, se apresenta como uma invariante axiológica. É a luz desse entendimento, que corresponde a um “historicismo axiológico”, que apresenta a pessoa como valor-fonte do Direito.
Chama a atenção ainda o fato de que o conceito histórico-axiológico de pessoa não resulta de uma fusão entre o ser e o dever ser – consoante ocorre na teoria hegeliana[5] - mas sim de sua correlação ou complementaridade – de tal modo que o que é põe o que deve ser e vice-versa, mantendo-se, porém, distintos, numa dialética essencial de polaridade. É a razão pela qual não deve prevalecer nem o aspecto subjetivo ou individual, nem o aspecto objetivo ou social do homem, na idéia de pessoa, pois ambos se exigem recíproca e completamente.[6]
O conceito de Direitos do Homem encontra-se estritamente vinculado ao conceito de Direito Subjetivo que, compreendido como os direitos inerentes ao indivíduo, originados na tradição européia, são uma descoberta relativamente recente no pensamento jurídico ocidental.
Com a declaração da independência dos Estados Unidos, consagra-se a vinculação entre direitos subjetivos universais inerentes ao indivíduo e liberdade, considerada como um direito tão primordial como o direito à vida e o direito à busca de felicidade.
As diferentes Declarações posteriores retomaram, com variações, este tema, até que, com a DECLARAÇÃO DOS DIREITOS DO HOMEM E DO CIDADÃO, de 28 de agosto de 1789, a própria liberdade, em nome dos alienáveis e sagrados direitos naturais do homem, passa a ser considerada como uma faculdade, a liberdade de poder fazer tudo que não incomoda o outro.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 configurou-se como a primeira resposta jurídica da comunidade internacional ao fato de que o direito “ex parte populi” de todo ser humano à hospitalidade universal (apontado por Kant no terceiro artigo definitivo do seu Projeto de Paz Perpétua) só começaria a viabilizar-se se “o direito a ter direitos” (para falar como Hannah Arendt) tivesse uma tutela internacional homologadora do ponto de vista da humanidade.[7]
No mundo contemporâneo continuam a persistir situações sociais, políticas e econômicas que contribuem para tornar os homens supérfluos e, portanto, sem lugar no mundo.
O totalitarismo representa uma proposta de organização da sociedade que almeja a dominação total dos indivíduos. Trata-se, em verdade, de um regime que não se confunde nem com a tirania, nem com o despotismo, nem com as diversas modalidades de autoritarismo, pois se esforça por eliminar, de maneira historicamente inédita, a própria espontaneidade – a mais genética e elementar manifestação da liberdade humana.
O “tudo é possível”, na dinâmica do totalitarismo, parte do pressuposto de que os seres humanos são supérfluos. Tal pressuposto contesta a afirmação Kantiana de que o homem, e apenas ele, não pode ser empregado como um meio para a realização de um fim, pois é fim de si mesmo, uma vez que, apesar do caráter profano de cada indivíduo, ele é sagrado, já que na sua pessoa pulsa a humanidade.
A tese de que os indivíduos não têm “direitos”, mas apenas “deveres” em relação à coletividade, na medida em que estes deveres são estipulados “ex parte principis”, sem um controle e uma participação de cunho democrático dos governados, levou, no totalitarismo, à negação do valor da pessoa humana enquanto “valor-fonte” da ordem jurídica. Ora, este “valor-fonte” da tradição, que afirma a dignidade do homem graças à “invenção dos direitos humanos” na interação histórica entre governantes e governados, teve e continua tendo como função, na perspectiva “ex parte populi”, servir de ponto de apoio para as reivindicações dos desprivilegiados. No totalitarismo isto não ocorreu, pois os indivíduos foram vistos como supérfluos pelos governantes.
O direito subjetivo é uma figura jurídica afim com a dos direitos do homem e da personalidade, todos representativos, no seu desenvolvimento teórico, do individualismo.
No jusmaterialismo, que inspirou o constitucionalismo, os direitos do homem eram vistos como direitos inatos e tidos como verdade evidente a compelir a mente. Por isso, dispensavam, tanto a violência, quanto a persuasão e o argumento.
Com a proclamação dos direitos do homem, a fonte da lei passa a ser o homem e não mais o comando de Deus ou os costumes. De fato, para o homem emancipado e isolado em sociedades crescentemente secularizadas, as Declarações de Direitos representavam um anseio muito compreensível de proteção, pois os indivíduos não se sentiam mais seguros de sua igualdade diante de Deus, no plano espiritual e no plano temporal, no âmbito dos “estamentos” ou ordens das quais se originavam.
Segundo Bobbio, a Declaração Universal “contém em germe”[8]: a síntese de um movimento dialético, que começa pela universalidade abstrata dos direitos naturais, transfigura-se na particularidade concreta dos direitos positivos e termina na universalidade, não mais abstrata, mas também concreta, dos direitos positivos universais.
A Declaração é algo mais do que um sistema doutrinário, porém algo menos do que um sistema de normas jurídicas. Uma remissão às normas jurídicas existe, mas está contida num juízo hipotético. A Declaração proclama os princípios de que se faz, não como normas jurídicas, mas como “ideal comum a ser alcançado por todos os povos e por todas as nações”[9].
Quando os direitos do homem eram considerados unicamente como direitos naturais, a única defesa possível contra a sua violação pelo Estado era um direito igualmente natural, o chamado direito de resistência. Mais tarde, nas constituições que reconheceram a proteção jurídica de alguns desses direitos, o direito natural de resistência transformou-se no direito positivo de promover uma ação judicial contra os próprios órgãos do Estado.
Sabe-se hoje que os direitos humanos são o produto, não da natureza, mas da civilização humana. Enquanto direitos históricos, eles são mutáveis, ou seja, suscetíveis de transformação e de ampliação. Hobbes, por exemplo, conhecia apenas o direito à vida.
O desenvolvimento dos direitos do homem passou por três fases: num primeiro momento, afirmava-se os direitos de liberdade, isto é, todos aqueles direitos que tendem a limitar o poder do Estado e a reservar para o indivíduo, ou para os grupos particulares, uma esfera de liberdade em relação ao Estado; num segundo momento, foram propugnados os direitos políticos, os quais, concebendo a liberdade não apenas negativamente, como não impedimento, mas positivamente, como autonomia – tiveram como conseqüência a participação cada vez mais ampla, generalizada e freqüente dos membros de uma comunidade no poder político (ou liberdade no Estado); num terceiro momento, foram proclamados os direitos sociais, que expressam o amadurecimento de novas exigências – de novos valores – como os do bem-estar e da igualdade, não apenas formal, e que poder-se-á chamar de liberdade através ou por meio do Estado.
A Declaração Universal representa a consciência histórica que a humanidade tem dos próprios valores fundamentais na segunda metade do século XX. É uma síntese do passado e uma inspiração para o futuro: mas suas tábuas não foram gravadas de uma vez para sempre.[10]

5. AS GERAÇÕES NOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Do ponto de vista teórico, pautado por novos argumentos, Bobbio afirma que os direitos do homem, por mais fundamentais que sejam, são direitos históricos, ou seja, nascidos em certas circunstâncias caracterizadas por lutas em defesa de novas liberdades, contra velhos poderes e nascidos de modo gradual, não todos de uma vez. Nascem quando devem ou podem nascer.
Nascem quando o aumento do poder do homem sobre o homem – que acompanha inevitavelmente o progresso técnico, isto é, o progresso da capacidade do homem de dominar a natureza e os outros homens – ou cria novas ameaças à liberdade do indivíduo.[11]
Os direitos fundamentais passaram, na ordem institucional, a manifestar-se em três gerações. E, mais ainda, os direitos de quatro gerações:

§ Os direitos da primeira geração são os direitos da liberdade, os primeiros a constarem do instrumento normativo constitucional, a saber, os direitos civis e políticos, que, em grande parte, correspondem, por um prisma histórico, àquela fase inaugural do constitucionalismo do Ocidente.
Os direitos da primeira geração – os direitos de liberdade – têm por titular o indivíduo, são oponíveis ao Estado, traduzem-se como faculdades ou atributos da pessoa e ostentam uma subjetividade que é seu traço mais característico; enfim, são direitos de resistência ou de oposição perante o Estado.
Os direitos da primeira geração – direitos civis e políticos – já se consolidaram em sua projeção de universalidade formal, não havendo Constituição digna desse nome que os não reconheça em toda a extensão.

§ Os direitos da segunda geração dominam o século XX. São os direitos sociais, culturais e econômicos, bem como os direitos coletivos ou de coletividades[12], introduzidos no constitucionalismo das distintas formas de Estado social, depois que germinaram por obra da ideologia e da reflexão antiliberal deste século.
Da mesma maneira que os da primeira geração, esses direitos foram, inicialmente, objeto de uma formulação especulativa, em esferas filosóficas e políticas de acentuado cunho ideológico; uma vez proclamados nas Declarações solenes das Constituições marxistas e também, de maneira clássica, no constitucionalismo da social-democracia (a de Weimar, sobretudo), dominaram por inteiro as Constituições do segundo pós-guerra.
Os direitos fundamentais da segunda geração tendem a tornar-se tão justificáveis quanto os da primeira. Até então, em quase todos os sistemas jurídicos, prevalecia a noção de que apenas os direitos da liberdade eram de aplicabilidade imediata, ao passo que os direitos sociais tinham aplicabilidade mediata, por via do legislador. Com a introdução dos direitos fundamentais da segunda geração, cresceu o juízo de que esses direitos representam, de certo modo, uma ordem de valores.
De acordo com a nova teorização dos direitos fundamentais, as prescrições desses direitos são também direitos objetivos e isso levou, segundo Carl Schmitt, à superação daquela distinção material entre as duas partes básicas da Constituição, em que os direitos fundamentais eram direitos públicos subjetivos, ao passo que as disposições organizatórias constituíam unicamente direito objetivo.
A concepção de objetividade e de valores, relativamente aos direitos fundamentais, fez com que o princípio da igualdade, tanto quanto o da liberdade, tomasse também um sentido novo, deixando de ser mero direito individual, que demanda tratamento igual e uniforme, para assumir, conforme demonstra a doutrina e a jurisprudência do constitucionalismo alemão, uma dimensão objetiva de garantia contra atos de arbítrio do Estado.[13]

§ Os direitos fundamentais da terceira geração, dotados de altíssimo teor de humanismo e universalidade, tendem a cristalizar-se neste fim de século enquanto direitos que não se destinam especificamente à proteção dos interesses dos indivíduos, de um grupo ou de um momento expressivo de sua afirmação como valor supremo em termos de existencialidade concreta. Os publicistas e juristas já os enumeram com familiaridade assinalando-lhes o caráter fascinante de coroamento de uma evolução de trezentos anos de esteira da concretização dos direitos fundamentais.
Emergiram eles da reflexão sobre temas referentes ao desenvolvimento[14], à paz, ao meio ambiente, à comunicação e ao patrimônio comum da humanidade.
Admite o jurista E. Mbaya que a descoberta e a formulação de novos direitos é e será sempre um processo sem fim, de tal modo que, quando “um sistema de direitos se faz conhecido e reconhecido, abrem-se novas regiões da liberdade que devem ser exploradas”. Com base nessa constatação, clama o jurista a adequação e a propriedade de linguagem relativa ao reconhecimento de três gerações de direitos fundados no princípio da solidariedade.

§ A globalização política na esfera da normatividade jurídica introduz os direitos da quarta geração que, aliás, correspondem à derradeira fase de institucionalização do Estado social.
São direitos da quarta geração o direito à democracia, o direito à informação e o direito ao pluralismo. Deles depende a concretização da sociedade aberta do futuro, em sua dimensão de máxima universalidade, para a qual parece o mundo inclinar-se no plano de todas as relações de convivência.
Os direitos da quarta geração não somente culminam a objetividade dos direitos das duas gerações antecedentes, como absorvem-na, sem, todavia, removê-la – a subjetividade – dos direitos individuais, a saber, os direitos da primeira geração.

Concluindo, poder-se-á dizer que os direitos da segunda geração, da terceira e da quarta não se interpretam, concretizam-se. É com base nessa concretização que reside o futuro da globalização política, a seu princípio de legitimidade, a força incorporadora de seus valores de libertação. Enfim, os direitos da quarta geração compreendiam o futuro da cidadania e o porvir da liberdade de todos os povos. Tão somente com eles será legítima e possível a globalização política.[15]

6. CONCLUSÃO

Algumas questões merecem ser ressaltadas diante dessa complexa e permanente problemática – os Direitos Fundamentais da Pessoa Humana:

§ O valor da pessoa, enquanto conquista histórico-axiológica, encontra a sua expressão jurídica nos direitos fundamentais do homem;

§ Os direitos fundamentais da segunda geração tendem a tornar-se tão justificáveis quanto os da primeira geração. Com a introdução dos direitos fundamentais da segunda geração, cresceu o juízo de que esses direitos representam, de certo modo, uma ordem de valores;

§ A dignidade da pessoa humana e o exercício da cidadania são considerados princípios fundamentais da Carta Magna Brasileira de 1988;

§ A partir da Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948), uma série de instrumentos internacionais veio à luz para abordar os temas mais variados dos direitos inalienáveis da pessoa humana;

§ Os direitos contidos na Declaração Universal são uma conquista da humanidade que conclama a uma luta permanente para dar-lhes vigência e permanente responsabilidade. Não é suficiente que estejam declarados e escritos. Devem torná-los realidade a fim de se evitar que permaneçam no plano do discurso teórico.


7. PALAVRAS-CHAVES

Direitos Fundamentais . Direitos Humanos . Pessoa Humana . Dignidade Humana.


8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia.2. ed. São Paulo: Mestre Ju, 1982.

BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos.Rio de Janeiro: Campus, 1992.

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 6. ed. ver. atual. e ampl. São Paulo: Malheiros, 1996.

CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional.6. ed.rev. Coimbra: Almedina, 1995.

LAFER, Celso. Desafios: Ética e Política. São Paulo: Siciliano, 1995.

REALE, Miguel. Nova Fase do Direito Moderno. São Paulo: Saraiva, 1990.

TRINDADE, A.A. Cançado. Direitos Humanos e Meio Ambiente. Porto Alegre: Sérgio Fabris, 1993.




[1] CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional. p. 517
[2] BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. p. 30
[3] TRINDADE, A.A. Cançado. Direitos Humanos e Meio Ambiente. p. 71
[4] ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. p. 259
[5] REALE, Miguel. Nova Fase do Direito Moderno. p. 62
[6] (ibid, p. 63)
[7] LAFER, Celso. Desafios: Ética e Política. p. 217 et seq.
[8] “contém em germe” – Bobbio chama a atenção para o fato de que a Declaração Universal é apenas o início de um longo processo, cuja realização final ainda não somos capazes de ver.
[9] BOBBIO, Norberto. op. cit., p. 31
[10] BOBBIO, Norberto. op. cit. p. 34
[11] BOBBIO, Norberto. op.cit.p. 5
[12] BOBBIO, Norberto. op.cit.p.6
[13] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. p.514 et.seq.
[14] E. Mbaya, o jusfilósofo de Colônia, formulador do chamado “direito ao desenvolvimento”, usa para caracterizar os direitos da terceira geração a solidariedade e não fraternidade. O direito ao desenvolvimento diz respeito tanto a Estados como a indivíduos, segundo assevera E. Mbaya, o qual acrescenta que, relativamente a indivíduos, ele se traduz numa pretensão ao trabalho, à saúde e à alimentação adequada.
[15] BONAVIDES, Paulo. op.cit. p.523 et.seq